terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Guardiã, Parte II







No passado,



“Houve um dia onde as máquinas ficaram tão odiosas e tão malditas que olharam para nós de cima com escárnio puxando a luz da lua contra a nossa existência. Foi nesse dia que realmente compreendeste que o teu mundo chegou ao fim. A era do homem acabou e agora só existe o Império que segura a ténue barreira que sustenta a tua alma em não se transformar numa lata…. Num pedaço de metal.”

“Eu compreendo. Eu vejo. Eu sinto.” – As primeiras palavras que a caçadora disse no seu primeiro dia como verdadeira guardiã em plena praça da libertação no planeta terra superior. Todos os chefes e comandantes mais importantes de segunda categoria assistiam à bênção dos recrutas no topo das suas varandas. – “Eu compreendo, meu senhor.” – Enquanto fechava os olhos e rogava pela mão velha e forte do seu senhor no ombro.

“Diz-me guardiã, estás pronta para limpar este mundo, o próximo e o próprio universo de todo o lixo?” – Este velho de cara branca sem cabelo ou barba vestido apenas com um manto vermelho com inscrições que falavam de outros tempos era um dos treze conselheiros que governavam sobre a palavra do Império e era ele que realizava a benza. Não havia maior honra pois era o dia onde recrutas de caçadores e assassinos se transformavam naquilo que desejaram a vida toda, em guardiões.

“O meu corpo é o instrumento da vontade do Império meu senhor.” – Pertencia ao Império agora. Já não possuía nome e o seu futuro ia ser viajar por entre o universo caçando, prendendo e matando tudo que os seus senhores desejassem.


A praça ressoava com os sussurros de milhares de pessoas que assistiam em varandas indicadas a meros cidadãos. Por entre as quatro torres de vidro com mil e duzentos andares cada uma ficava a praça da libertação. Um espaço aberto feito de mármore trazida do planeta terra inferior. Toda vestida de branca, a praça apenas mostrava no centro um retrato sobre o primeiro imperador cravada em ouro com cerca de oitocentos metros. O retrato brilhava com a luz dos dois sois do planeta. Este era o sítio escolhido todos os anos para a benza.


“E a tua alma, a quem pertence?”

“Só a mim.” – A única coisa que lhe era permitida possuir. Ser só sua.

“Guardiã da luz levanta-te, sente o calor e o amor do Império enquanto extingues o herege alienígena que hoje aqui te oferecemos aos olhos de todos aqueles que irás defender e proteger.” – Este era o momento que ela mais desejava. Sentir a mão do seu senhor no seu ombro. Já não era uma recruta, já não era uma mancha sem significado nas forças Imperiais, mas sim, uma guardiã. Alguém com força e voz própria.

“Bem-vinda, Guardiã.” – Sussurrou-lhe o velho conselheiro.


Ao deixar de sentir a mão levantou-se calmamente e em paz. Todos aplaudiam gritando tanto pelo nome da ordem dos guardiões como pelo império. Esta era a sua casa, este era o seu mundo. Ao abrir os olhos, fixou a sua atenção no público. Viu homens, mulheres e crianças. Todos sorriam e riam. Nesse momento ao olhar para as faces que a rodeavam questionou-se se estavam em tamanho êxtase pela sua benza ou pelo que ia acontecer de seguida.


Na verdade, este era só o primeiro passo até se tornar numa verdadeira caçadora. O segundo acontecia já de seguida e o terceiro ia ser o mais doloroso de todos. Como é que se consegue derrotar maquinas ou raças mais avançadas do que nós? Tornamo-nos mais fortes do que eles.


Tão simples quanto isso.


Começava com a inserção de um soro no sangue tornando a pele e o sistema imune a quase todos os tipos de dor e venenos conhecidos. Um chip com um computador pessoal e único é depois preso ao cérebro afectando todas as partes do corpo ampliando velocidade, resistência e em poucos caso criando poderes de telequinesia. O chip era como uma chapa de identificação para cada um dos guardiões. Mais uma serie de extensões ou aumentos eram incorporados no corpo tornando os guardiões autênticas máquinas de guerra.

Os espectadores na praça gritaram ainda mais alto quando um servidor, vestido em mantos negros com padrões de ouro nas mangas se aproximou trazendo com eles a primeira verdadeira arma de um guardião, de um caçador. A lança.


A praça cheirava a sangue e a morte.


Ela observava o seu alvo. Um ser do planeta de kalistraida. Nu e preso com correntes olhava de frente para a sua futura executora. Era um ser feio de feições moles verdes onde o corpo mostrava-se repleto de escamas de um outro verde mais claro. O seu olhar mostrava medo no seu interior mas o seu exterior tentava mostrar coragem e honra. Duas coisas que de nada lhe serviam neste momento, observou a caçadora. Um ser vil e impuro que serviria de exemplo para todos os futuros que ela iria caçar a matar.

Um tubo de ferro de bronze escuro é posto nas mãos da guardiã e automaticamente ele começa a vibrar ao ler as impressões digitais da sua dona. Como tudo, cada caçador tinha as suas armas e elas eram só suas. Com um movimento rápido e suave a guardiã transforma o simples tubo numa lança de três pontas comprida e afiada.

O público fica em silêncio.

A guardiã não espera nem mais um momento. Rodando habilidosamente a lança nas mãos atira-a num piscar de olhos. O som que ela faz é demasiado rápido para se conseguir compreender e o publico nem tempo tem de a ver a entrar no peito do prisioneiro. Trespassa-o de um lado ao outro fazendo-o cair de joelhos e todos sentem o seu último suspiro. Todos gritam, batendo palmas e atirando frases de apoio e veneração ao ver a caçadora a aproximar-se da sua vítima. Agarrando com firmeza a lança puxa-a num único movimento. O corpo do ser cai por terra de barriga para baixo.



Prometeu a si própria que nunca iria esquecer este dia.








Texto por.: Daniel Lopes
Imagem por.: Desconhecido. Cidade sci fi.

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