
A caçadora tapa melhor a cara com o lenço negro carregado de pó da tempestade de areia que se avizinha. Observa o deserto que a rodeia e o vento que começa a ganhar velocidade antes de inserir as coordenadas no computador de dados que carrega preso dentro da carne e da pele do seu braço esquerdo. Ele apita com cada número que insere. No corpo usa trapos de tecido castanhos escuros e outros claros em cima de outros iguais mas sem esconder as linhas sensuais e firmes do seu corpo trabalhado. Uns óculos escuros com captação de imagem e mira telescópica incorporada brilham aqui e ali sempre que um raio de luz bate neles. O computador demora um bocado a indicar as coordenadas. Não existe rede suficiente neste calhau é o pensamento que lhe vem à cabeça tal como este ser o pior início de um trabalho que alguma vez teve. Um planeta morto, confirmado. Poeira e quase sem ligação com a nave mãe, confirmado. Calor infernal, confirmado. Informação concreta sobre o seu alvo, nenhuma. O normal na verdade.
O droide em forma de ovo de cor amarelo queimado que flutua ao seu lado presente a perda de paciência da sua dona e como forma de protesto solta umas faíscas. Ela ignora-o dando um chuto na areia com as suas botas pesadas pretas que lhe chegam ao joelho. Desta vez o robô ignora-a de volta.
Com as mãos metidas em luvas finas com os dedos cortados ela pousa as mesmas na anca enquanto a sua paciência se vai esgotando.
“Computador, dá-me a informação sobre o alvo mais uma vez.” – Uma imagem nas lentes dos seus óculos de três pontos verdes vai piscando e efectuando o download necessário.
“Devo ignorar o pedido anterior guardiã?” – Pergunta-lhe o computador com uma voz mecânica e pouco natural que só ela consegue ouvir.
“Não maldito computador. Preciso que apenas faças duas coisas ao mesmo tempo. Consegues isso pelo menos?”
“Com certeza guardiã.” – Os três pontos voltam a piscar – “Nome do alvo, El-Jor. Natural de, desconhecido. Idade, desconhecida. Poderes ou Fonte de poder, Sol. Crimes, assassinato. Assalto a três bancos centrais do Império no sistema solar XV456.”
“Boa… um ser que a sua fonte de poder é o Sol… ainda bem que este calhau flutuante encontra-se mesmo próximo do sol. Um mimo mesmo. Se calhar ter escolhido um deserto para esperar por ele não foi assim tão boa ideia por parte do comando.”
“Errado guardiã. O comando é a mão do Império e eles tem sempre razão. A bolha de invisibilidade em que nos encontramos torna este local indicado para um assalto de surpresa ao alvo.”
“Sim, sim… e associados. Algum?”
“Afirmativo. Três, mas existe possibilidade de El-Jor poder estar a viajar com mais.”
“Algum deles é nosso conhecido?”
“Afirmativo. Nome, Lex Kent. Natural de, planeta Terra Superior. Idade, 926. Poderes ou Fonte de poder, desconhecidos até á data. Crimes, desconhecidos.” – Aparece uma foto dos dois homens no visor em 3D mostrando as faces em pormenor. – “Informação sobre as coordenadas já é conhecida. Deseja ouvir, guardiã?”
“Prossiga.”
“Local, planeta Terra Inferior. No século XXI este era o local da cidade de Tijuana do antigo pais conhecido como México. Chegou a ter uma população de 5.7 milhões de cidadãos até ao dia da grande guerra seguida pela aproximação da lua ao planeta em 60% que causou a destruição de 99% da vida no ano de 3546.”
“E agora não passa de uma grande pedra flutuante.”
“Essa informação é incorrecta guardiã.”
“Se soubesses como eu te odeio… se não estivesses preso no meu braço, no meu sangue ou se não fosses um chip dentro do meu cérebro já te tinha desfeito em mil pedaços. És mais aborrecido do que um hyadra de pila pequena.”
O computador não responde.
Uma nuvem de fumo começa a crescer no horizonte. Ainda muito pequena e incerta para um qualquer conseguir perceber, mas não para uma caçadora de eleição do Império. A Guardiã perde logo a sua postura aborrecida ignorando a voz do computador na sua cabeça que lhe fornece informação sobre o terreno e o vento. O droide mexe-se ao seu lado sentindo um pequeno movimento no solo. Ela também sente o mesmo.
“Imagem ampliada computador.”
Consegue ver duas naves de pouca altitude que se mexem a grandes velocidades. Como se estivessem a fugir de alguma coisa. Ela sorri.
“Distancia e informação computador.”
“Distância é de 2.4 quilómetros. Dois veículos de pouca altitude carregadas com seis metralhadoras de 120 milímetros e quatro canhões de curto alcance.”
“ Só boas notícias. O nosso alvo encontra-se dentro de alguma das naves?”
“Afirmativo Guardiã.” – O sorriso cresce na face da caçadora por debaixo do pano. – “Distância é de 2.2 quilómetros.”
“Vamos lá tratar disto antes que o dia comece a ficar ainda mais quente.”
“Guardiã, recomendo…”
“Tu, não, recomendas, nada. Eu sei muito bem o que faço.” – Ela estica os braços para a frente dobrando depois as costas para trás. Ouve-se os ossos a estalar. – “X-vor, uma espingarda MK.x1 por favor.” – Só o droide é que ela trata pelo próprio nome. Talvez porque ele não fala ou porque ele pode-se moldar em tudo que ela desejar em termos de armas.
O droide, o último da classe X-tor, treme antes de os seus metais começarem a separar-se e a formar-se numa espécie de espingarda de longo alcance com dois canos compridos maiores do que um braço de um homem onde luzes vermelhas brilham.
“Munição de perseguição com perfuração de escudo X-vor.”
“Distância é de 1.8 quilómetros guardiã.”
A espingarda flutua no ar e as suas luzes ficam verdes indicando que a munição já se encontra carregada. A caçadora pega nela encostando-a ao seu ombro, afastando as pernas preparando-se para premir o gatilho.
“Computador marcar alvos. Dois. Condutores.”
“Afirmativo.” – Dois círculos viajam pelas lentes dos seus óculos fixando-se em dois pontos diferentes. Um em cada uma das naves. A imagem amplia e as caras de dois humanos fixam-se no seu olhar. – “Distância é de 1.6 quilómetros.”
“Este gosta muito de viajar com humanos. Pena nenhum deles ser o nosso alvo.”
“Guardiã, consigo ler que é possível disparar furando o metal da nave acertando fatalmente no alvo de nome El-Jor com uma probabilidade de 96%.”
“Sim, mas onde esta a piada nisso?”
O computador não responde.
“Manter a toda a altura a bolha de invisibilidade computador.”
Ela sorri novamente mas desta vez, maliciosamente, antes de disparar. O seu dedo carrega suavemente no gatinho puxando-o para trás até ouvir o click. A espingarda dá um coice enorme empurrando-a para trás mas ela não perde o seu equilíbrio nem a segurança nos seus alvos. As balas viajam a velocidades impressionantes passando por cima e por baixo de uma da outra até seguirem os seus caminhos. É num piscar de olhos que as cabeças dos dois pilotos explodem como se fossem um balão com o impacto das balas. Claro que sem os pilotos as naves acabam por cair na terra do deserto.
Ela observa o cenário orgulhosa de si própria através dos seus óculos com a espingarda novamente a flutuar ao seu lado com os metais a separarem-se e a fundirem-se em pequenos movimentos.
Ela observa o cenário orgulhosa de si própria através dos seus óculos com a espingarda novamente a flutuar ao seu lado com os metais a separarem-se e a fundirem-se em pequenos movimentos.
“Aqui vamos nós.”
Fim da Parte I
Texto por.: Daniel Lopes
Imagem por.: Desconhecido, mas parabéns ao artista.
1 comentário:
Lente de atenção: Focada.
Esta história é tão visual… pelo menos eu vi as cenas todas em quadradinhos enquanto lia.
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