sexta-feira, 9 de julho de 2010

Projecto 23 - Semana III







Ao lamber a pele dela por entre as coxas, o sabor misturado de sal com suor da praia entrava pela sua boca. Como ela a achava deliciosa, sensual e quente. Cada dia que passava era apenas para desejar por outro momento como este. Gostava da forma como o cabelo dela se entrelaçava nos dedos das suas mãos, quando estavam nuas coladas uma á outra numa qualquer cama, mas o que ela realmente amava era sentir os mamilos dela a roçarem nos dela, que a faziam ficar ainda mais excitada. Uma acreditava que estava a fazer amor, enquanto a outra acreditava que aquilo era o melhor sexo que tinha todos os meses.


Não se encontravam todos os dias, claro que não. Só mesmo na última sexta-feira de cada mês. No mesmo bar e sempre à mesma hora. Quase não se falavam aí. O bar estava repleto de outras pessoas, todos juntos como sozinhos. Quadros de um qualquer pintor sem importância emolduravam as paredes pintadas de vermelho tinto, onde as cortinas que caiam em ondas do tecto até ao chão em tom castanho-escuro englobavam tudo o resto. Cumprimentavam-se em público com um sorriso e o diálogo não passada mais do que perguntar o que a outra estava a beber e se queria ir para algum lado mais relaxado.



Podes-te perguntar porque que estou a falar sobre estas duas mulheres ou como é que eu sei tanto sobre elas. A isso nunca te irei responder. O que realmente precisas de saber é que eu consigo ver tudo e tudo me vê a mim. Existo como não existo. Serei importante para ti num determinado momento como no outro já não o serei, mas, o que verdadeiramente importa aqui é eu a continuar a história sobre estas mulheres e talvez aprendas algo sobre o mundo em que vives.


O amor foi criado apenas para ser vivido uma única vez. Não, não temos três grandes amores na vida. Temos um e ele é sempre aquele que tu pensas que não é. Muitos nem nunca o sentem ou quando o sentem é em modo de doença, violento ou simplesmente mortal. Depois existem aqueles que quando descobrem que o encontraram já é tarde de mais e aí, voltamos, aos temas de amor doença, amor violento e amor mortal. Imagina o amor como um pedaço de barro ainda por trabalhar. Pões as tuas mãos nele e formas a tua visão nele. Transformas aquele pedaço no que queres e depois vais carregando dentro de ti até que encontras alguém que achas que é merecedor. Como te sabe bem entregar-te. Como fechas os olhos e te sentes completo e é então que milhentas questões surgem-te na tua mente e todas essas questões têm o maldito “se” nelas.



Será? E se? Seremos?



O amor é todos os deuses num só. Não te deixes iludir nisto, ele é tudo e todos. Não escolhe idades, não escolhe generos nem sexos e sobretudo não te vai escolher a ti.
Pensa nisto, pela ideia da igreja cristã, Jesus morreu para nos salvar. Pelo seu amor por nós. Mas quem é que pôs o sentimento de amor nele? Foi Deus? Esse sentimento apareceu do nada? È um bocado impensável para nós, meros mortais, supor que esse sentimento vem do nada. Que não houve uma identidade qualquer maior do que o universo a criar algo que não conseguimos agarrar, ou compreender a matemática de como foi ele criado.


Agora vou-te pedir para imaginares mais uma vez nesta hipótese que te vou apresentar. Numa folha branca desenhas um círculo, não precisa de ser perfeito porque nada o é. Apenas, desenha um e escreve a palavra “nada” nele. Esse circulo é o nada ao mesmo tempo que é tudo. Ele está carregado de ideias, situações, sonhos, sentimentos ou vontades. Tudo o que possas imaginar ali dentro a lutar pelo seu espaço. Como é que esse círculo vai sobreviver com tanta coisa no seu interior? Provavelmente a criar novos pequenos círculos. Um deles vai-se chamar violência, outro vai ter o nome de saudade ou de fome, como pode ter o nome de vontade, decisões, dor, esperança e em tudo o mais que possas pensar.


Vou-te perguntar apenas isto. Todos esses pequenos círculos não derivam do grande? E se chamares ao grande de amor, não vai tudo derivar dele? Vontade deriva de amor por algo ou alguém. Esperança que alguém amado volte ou que alguém que já não amamos se vá embora. Dor pela perda de alguém que amamos, e por assim adiante.


Se amor fosse um Deus, ele era bom como também era maldoso e sem compreensão.



Mas bem… Estou a desviar-me um pouco do tema que me trouxe aqui.
Sim, como estava eu a dizer, elas encontravam-se apenas uma vez por mês. No mesmo bar. Não falam uma com a outra até estarem na cama juntas e cada uma delas deseja por aquele dia do mês de maneiras completamente diferentes. Uma delas, que esta ali na cama, a que sente realmente amor e não desejo, sentiu o seu coração a quebrar ainda há dias quando viu a outra na rua a passar a passadeira vestida com um longo vestido castanho claro, calçada com uns tacões pretos de marca e o cabelo solto ondulado. Ao levantar-lhe a mão e a sorrir viu-se a ser ignorada. Passou por ela como se nada fosse. Como se nunca tivesse existido.
Até hoje aquele pensamento assaltava-lhe todos os segundos mas foi sempre afastado com a ideia de – “Não me reconheceu de verdade. Era de dia e encontramo-nos sempre de noite, apesar de ficarmos sempre juntas até ao pequeno-almoço. Não, não me viu mesmo, senão porque não havia de parar e falar comigo?”


Mesmo ali na cama, nua, excitada com o calor e com o prazer esse pensamento mantinha-se na sua mente. Por um lado, não queria que aquele momento acabasse enquanto por outro lado, só queria que aquilo se despacha-se para ter a oportunidade de lhe perguntar. Para conseguir matar aquela comichão que não conseguia coçar.


Os beijos de língua quentes e perfeitos seguiram-se uns aos outros mas sempre de mão dada, com o toque de dedos que exploravam o corpo. Descobriam pontos nunca antes tocados daquela forma e o calor dos corpos aumentava até os lençóis de tom creme começarem a agarrar-se nos corpos. O quarto era apenas iluminado com uma luz de presença que lhes dava oportunidade de observarem o corpo da sua parceira. Era indescritível o prazer nas faces de ambas, ao perceberem que os seus corpos pareciam mais belos por estarem sem as roupas, recheados de pequenas gotas de suor que escorriam de uma para a outra como uma música. Os lábios molhados sabiam onde beijar e roçar. As mãos sabiam quando arranhar a pele de uma forma completamente inexplicável. As suas mentes iam-se esvaziando de tudo enquanto o orgasmo se ia aproximando com as suas bocas a abrirem-se à procura de ar.


Todos os segundos seguintes passaram-se demasiado depressa.


Eventualmente, a noite foi caindo para dar lugar à luz que começou a entrar por entre as persianas. Batia e iluminava o quarto de uma maneira demasiado bonita para os momentos que se seguiam. Dormiam juntas mas apenas uma mão procurou a da outra durante a noite no sono e essa afastou-se sempre. O cabelo era a única coisa que se mistura nelas de manha, tudo o resto estava afastado a uma distância estudada.
Os dois corpos acordam ao mesmo tempo. Os olhares delas encontram-se para se desenvolverem num sorriso. A que amava sabia que estes eram os momentos mais importantes entre elas. Os momentos em que falavam.


- Bom dia – disse a outra a levantar-se – não puseste despertador…

- Pois não… quis que descansasses… queria que estivesses aqui. – Respondeu ela com um sorriso demasiado sincero desta vez.

-… Acredito que sim… mas assim, chego atrasada, não é? – Não era uma pergunta. Soube mais a um murro no estômago do que outra coisa. Levanta-se e começa a arranjar o cabelo com as mãos ao olhar para o espelho grande de moldura preta encostado à parede escura do quarto.
Com um pequeno riso virgem ela não resiste em perguntar. – Atrasada para onde? Hoje é sábado. Não me digas que trabalhas ao sábado?

- Não. Não interessa para onde. Só sei que estou atrasada porque mais uma vez não puseste o despertador. – Os olhos dela estão longe. Quer sair dali.

- Eu da última vez pus despertador e acordei-te não acordei? – Sem perder o sorriso e ignorando a frieza nas palavras que lhe foram atiradas.

- Sim, acordaste.

- E o que é que fizeste? Ou melhor, o que é que fizemos?

- Tomamos o pequeno-almoço.

- E depois? – O sorriso cresce.

- Deitei-me outra vez.

- Então porque é que hoje havia de ser diferente? Anda para aqui. Deixa-me abraçar-te e beijar-te. – As suas palavras estão cheias de carinho. Não podia estar mais exposta. Este amor dentro dela já anda a crescer há demasiado tempo. Ajeita-se na cama e senta-se encostada, agarrando apenas no lençol para se tapar minimamente. As manhas são sempre frescas naquele quarto.

- Porque hoje não é o outro dia… e tenho mais do que fazer… - a sua resposta é rápida e certeira. Não o mostra mas sabe que a magoou e isso deu-lhe um prazer maldito.

- Mas… ok, tudo bem. Apenas pensei que podíamos aproveitar mais um bocado. – Os seus olhos enchem-se de lágrimas escondidas e levanta-se vestindo as cuecas. Tira uma t-shirt aleatória da gaveta e veste-a. – No outro dia viste-me na rua não viste? – Não resiste em perguntar. Em não saber mais um segundo.


Um riso maldoso enche o quarto. – Mas, tu, estas, maluca? A cumprimentares-me… na rua? Claro que te vi e é claro que não te ia cumprimentar.

- E porque não? Afinal nós conhecemo-nos. Nós estamos juntas… dorm…

- Olha, e marca bem as minhas palavras – diz a outra interrompendo com o dedo apontado a ela enquanto acaba de pegar nas suas coisas sem nunca parar de ajeitar o cabelo. – Nós não somos namoradas. Apenas dormimos juntos. Fora daqui não te conheço e aqui dentro só te conheço para fodermos.


O olhar não podia mostrar mais dor. Não percebe como consegue ser tão fria e má. Ela ama-a. Como pode amá-la? Caminha até a janela e olha para a rua. Não consegue ver nada. Os seus olhos já não vêem. Só conseguem ver mais e mais perguntas à frente.


- Pensava que éramos mais do que isso. Eu aprendi a amar-te… o meu amor por ti cresceu… - a voz é fraca e derrotada mas nestes assuntos a esperança pode-se tornar numa doença. A ideia que a esperança é a última a morrer é muito maldosa.

- Oh por favor… amor? Pensas o quê? Que vamos ficar juntas? Eu não te conheço. Achas mesmo que eu ia deixar a minha família por ti… por nada mais do que um bom pedaço de cama…


E agora tudo é posto na mesa. A dor começa a transformar-se em algo completamente diferente. O calor que começa a sentir no corpo já não é de prazer. Algo caminhou sobre os sonhos dela e agora eles caem todos.


- Família? Tu… tens… - A voz começa a aumentar. Algo acende nos olhos e o quarto enche-se de raiva. – Família!? Como pudeste… Estar comigo… quando tens… Tens filhos? Responde-me. Tens filhos?

A outra sente a voz atirada a si como uma força esmagadora e a maldade de ainda há segundos nas suas palavras começam a transformar-se em receios.

- Tenho. Tenho dois filhos… sempre te quis disser… não te queria…

- Magoar-me? Mentir-me? Foder-me e deitar-me fora? – Grita ao mesmo tempo que começa a aproximar-se da outra. Meia tonta com a raiva segura-se na cómoda sem nunca perder os olhos nela. – Anda… diz-me a verdade… mostra-me quem és…

- O que é que tu queres? Pensavas que isto era o quê? Claro que te menti e nunca te contei nada. Mas não, tu tinhas que pressionar sempre. Puxar a minha mão durante o sono. Pedir-me para ficar. Só fiquei na última vez porque tive pena tua...

A mão dela limpa a cómoda mandando tudo que estava em cima dela para o ar, contra a parede e para o chão. Ela grita e ri-se para voltar a gritar novamente. Não consegue perceber. Não consegue interiorizar. Não controla o que está a sentir. A outra afasta-se assustada com tempo apenas para agarrar a carteira do chão e abraçá-la junto ao peito.

- Pena? Ficaste com pena… e eu a pensar… como conseguiste. Sua cabra. Sua vaca. Sempre… Só queria conhecer-te e agora dizes-me que tens dois filhos… Vens aqui uma vez por mês foder-me…

- Espera. Estás muito nervosa. Tem calma… eu sempre quis contar-te tudo. – Tenta acalma-la com a mão fazendo sinais para que fique afastada.

- Mentira! Só mentiras! – Apanha um perfume do chão e atira-lhe, que se desfaz na parede, não lhe acertando por pouco. – Tudo não passa de mentiras e eu amava-te. Ignoras-me. Não falas, só me fodes e agora dizes que tens pena de mim?

A outra grita de medo e corre para fora do quarto passando pela sala até chegar á porta de saída. Tenta abri-la mas esta fechada à chave. Ela segue-a com os olhos em lágrimas e pisados.

- Por favor… deixa-me ir embora. Desculpa. Eu juro que nunca mais me vês. Só quero ir embora. Por favor…

Com a voz calma ela responde – eu fecho sempre a porta de saída à chave. Tenho medo de dormir sozinha e de ser assaltada... – Pára e respira. Olha novamente para a outra e sorri. Não é um sorriso de carinho mas sim um sorriso de quem perdeu tudo. De quem lhe teve tudo roubado num segundo. Pega num globo de neve com a base de metal que estava em cima da lareira na sala. Sente o medo da outra a invadir a sala. Sente prazer nisso. – Desculpa, mas não sei onde meti as chaves. – Diz enquanto caminha na direcção da outra.

- Oh meu deus… tem calma… não te fiz mal nenhum. Nunca te tratei mal. Vinha porque me fazias sentir bem. Por favor, não me magoes….

Antes de conseguir dizer mais alguma coisa em sua defesa, já a primeira pancada na cabeça tinha sido dada fazendo o globo voar no sentido contrário. A outra caiu logo no chão como de um boneco de trapos se tratasse. O corpo ficou imóvel. Não gritou porque a voz não saia. Apenas tontura, as mãos dormentes repletas de formigueiro e uma dor que começava a crescer lá ao fundo no interior do seu corpo.

- Trataste-me abaixo de cão. Mentiste-me. Usaste-me. Cuspiste no meu amor… - sussurra ela por entre dentes enquanto se senta com as pernas abertas sobre ela – o amor por ti… como eu te amo… como eu vou sentir a tua falta… como eu… te odeio. – Põe as mãos no pescoço e começa a apertar lentamente. – Deixei-te beijar-me. Deixei-te entrar na minha casa… no meu corpo e para quê? Para olhares para o lado quando me vês na rua? – A pressão no pescoço começa a aumentar. A outra quer gritar com a dor que sente na cabeça e na garganta. Tenta puxar o cabelo dela, mas ela só aperta mais e mais. Ar… como ela deseja por apenas mais uma lufada de ar. – Tens filhos? Não mereces ter filhos. Eles não vão sentir a tua falta. Não quando souberem o que me fizeste. Não, quando perceberem a dor que puseste dentro de mim. – Os olhos da outra abrem-se mais quando percebe que não vai conseguir sair dali, tenta arranhar e dar murros, mas sem efeito. Ela nada sente. Lágrimas começam a descer lentamente pela face da outra. - Odeio-te… odeio-te… morre por favor. Eras minha… como eu te odeio.



A outra morre e ela continua a apertar-lhe o pescoço ainda com mais força.



FIM.





(Poem #597) He wishes for the cloths of heaven
Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly, because you tread on my dreams.
-- William Butler Yeats

poema que me inspirou e que me continua a inspirar



Texto por.: Daniel lopes

Imagem 1 por.: Le Sommeil, ou 'o sono' de Gustave Courbet (1866).

Imagem 2 por.: Safo, por Charles-August Mengin (1877)


BTW.: A palavra lésbica vem do latim lesbius e originalmente referia-se somente aos habitantes da ilha de Lesbos, na Grécia. A ilha foi um importante centro cultural onde viveu a poetisa Safo, entre os séculos VI e VII a.C., muito admirada por seus poemas sobre amor e beleza, em sua maioria dirigidos às mulheres. Por esta razão, o relacionamento sexual entre mulheres passou a ser conhecido como lesbianismo ou safismo.
Safo foi uma poetisa grega que viveu na cidade lésbia de Mitilene, ativo centro cultural no sécul VII a.C.. Nascida algures entre 630 e 612 a.C., foi muito respeitada e apreciada durante a Antigüidade, sendo considerada "a décima musa". No entanto, sua poesia, devido ao conteúdo erótico, sofreu censura na Idade Média por parte dos monges copistas, e o que restou de sua obra foram escassos fragmentos.
Safo concedeu uma escola para moças, onde ensinava poesia, dança e música - considerada a primeira "escola de aperfeiçoamento" da História. Ali as discípulas eram chamadas de hetairai (amigas) e não alunas... E a mestra apaixona-se por suas amigas, mas, de todas... dentre elas, aquela que viria a tornar-se sua maior amante, Atis - a favorita, que descrevia sua mestra como vestida em ouro e púrpura, coroada de flores. Mas Atis apaixona-se por um rapaz mais tarde.

Como podem reparar o titulo deste texto esta de algum modo estranho. Isso acontece por causa de um novo projecto que começa hoje. O Projecto vai correr da seguinte forma.:23 temas, 23 Historias, 23 semanas.Durante 23 semanas, Miguel Gonçalves aka Angelus e Daniel Lopes aka GodsHand irão escrever 23 historias únicas sobre 23 temas diferentes sendo o desta semana sobre Amor e Violencia. Podem encontrar a Historia do Miguel para este tema no Link do blogue Sob o Feitiço da Lua

3 comentários:

_Sophie_ disse...

Magnífico!!

Gosto da forma como vais agarrando o leitor ao longo do texto, o facto de te dirigires a nós leitores torna a coisa muito pessoal e envolvente e a história está muito bem escrita.

FÃ NÚMERO UM 4 EVER!!

*

_Sophie_ disse...

...E as imagens estão perfeitas, muito bem escolhidas. :D

Angelus disse...

Incrivel Irmão.
Os teus textos são altamente.
Continua assim