
Não se encontravam todos os dias, claro que não. Só mesmo na última sexta-feira de cada mês. No mesmo bar e sempre à mesma hora. Quase não se falavam aí. O bar estava repleto de outras pessoas, todos juntos como sozinhos. Quadros de um qualquer pintor sem importância emolduravam as paredes pintadas de vermelho tinto, onde as cortinas que caiam em ondas do tecto até ao chão em tom castanho-escuro englobavam tudo o resto. Cumprimentavam-se em público com um sorriso e o diálogo não passada mais do que perguntar o que a outra estava a beber e se queria ir para algum lado mais relaxado.
Podes-te perguntar porque que estou a falar sobre estas duas mulheres ou como é que eu sei tanto sobre elas. A isso nunca te irei responder. O que realmente precisas de saber é que eu consigo ver tudo e tudo me vê a mim. Existo como não existo. Serei importante para ti num determinado momento como no outro já não o serei, mas, o que verdadeiramente importa aqui é eu a continuar a história sobre estas mulheres e talvez aprendas algo sobre o mundo em que vives.
O amor foi criado apenas para ser vivido uma única vez. Não, não temos três grandes amores na vida. Temos um e ele é sempre aquele que tu pensas que não é. Muitos nem nunca o sentem ou quando o sentem é em modo de doença, violento ou simplesmente mortal. Depois existem aqueles que quando descobrem que o encontraram já é tarde de mais e aí, voltamos, aos temas de amor doença, amor violento e amor mortal. Imagina o amor como um pedaço de barro ainda por trabalhar. Pões as tuas mãos nele e formas a tua visão nele. Transformas aquele pedaço no que queres e depois vais carregando dentro de ti até que encontras alguém que achas que é merecedor. Como te sabe bem entregar-te. Como fechas os olhos e te sentes completo e é então que milhentas questões surgem-te na tua mente e todas essas questões têm o maldito “se” nelas.
O amor é todos os deuses num só. Não te deixes iludir nisto, ele é tudo e todos. Não escolhe idades, não escolhe generos nem sexos e sobretudo não te vai escolher a ti.
Pensa nisto, pela ideia da igreja cristã, Jesus morreu para nos salvar. Pelo seu amor por nós. Mas quem é que pôs o sentimento de amor nele? Foi Deus? Esse sentimento apareceu do nada? È um bocado impensável para nós, meros mortais, supor que esse sentimento vem do nada. Que não houve uma identidade qualquer maior do que o universo a criar algo que não conseguimos agarrar, ou compreender a matemática de como foi ele criado.
Agora vou-te pedir para imaginares mais uma vez nesta hipótese que te vou apresentar. Numa folha branca desenhas um círculo, não precisa de ser perfeito porque nada o é. Apenas, desenha um e escreve a palavra “nada” nele. Esse circulo é o nada ao mesmo tempo que é tudo. Ele está carregado de ideias, situações, sonhos, sentimentos ou vontades. Tudo o que possas imaginar ali dentro a lutar pelo seu espaço. Como é que esse círculo vai sobreviver com tanta coisa no seu interior? Provavelmente a criar novos pequenos círculos. Um deles vai-se chamar violência, outro vai ter o nome de saudade ou de fome, como pode ter o nome de vontade, decisões, dor, esperança e em tudo o mais que possas pensar.
Vou-te perguntar apenas isto. Todos esses pequenos círculos não derivam do grande? E se chamares ao grande de amor, não vai tudo derivar dele? Vontade deriva de amor por algo ou alguém. Esperança que alguém amado volte ou que alguém que já não amamos se vá embora. Dor pela perda de alguém que amamos, e por assim adiante.
Se amor fosse um Deus, ele era bom como também era maldoso e sem compreensão.
Mas bem… Estou a desviar-me um pouco do tema que me trouxe aqui.
Sim, como estava eu a dizer, elas encontravam-se apenas uma vez por mês. No mesmo bar. Não falam uma com a outra até estarem na cama juntas e cada uma delas deseja por aquele dia do mês de maneiras completamente diferentes. Uma delas, que esta ali na cama, a que sente realmente amor e não desejo, sentiu o seu coração a quebrar ainda há dias quando viu a outra na rua a passar a passadeira vestida com um longo vestido castanho claro, calçada com uns tacões pretos de marca e o cabelo solto ondulado. Ao levantar-lhe a mão e a sorrir viu-se a ser ignorada. Passou por ela como se nada fosse. Como se nunca tivesse existido.
Até hoje aquele pensamento assaltava-lhe todos os segundos mas foi sempre afastado com a ideia de – “Não me reconheceu de verdade. Era de dia e encontramo-nos sempre de noite, apesar de ficarmos sempre juntas até ao pequeno-almoço. Não, não me viu mesmo, senão porque não havia de parar e falar comigo?”
Mesmo ali na cama, nua, excitada com o calor e com o prazer esse pensamento mantinha-se na sua mente. Por um lado, não queria que aquele momento acabasse enquanto por outro lado, só queria que aquilo se despacha-se para ter a oportunidade de lhe perguntar. Para conseguir matar aquela comichão que não conseguia coçar.
Os beijos de língua quentes e perfeitos seguiram-se uns aos outros mas sempre de mão dada, com o toque de dedos que exploravam o corpo. Descobriam pontos nunca antes tocados daquela forma e o calor dos corpos aumentava até os lençóis de tom creme começarem a agarrar-se nos corpos. O quarto era apenas iluminado com uma luz de presença que lhes dava oportunidade de observarem o corpo da sua parceira. Era indescritível o prazer nas faces de ambas, ao perceberem que os seus corpos pareciam mais belos por estarem sem as roupas, recheados de pequenas gotas de suor que escorriam de uma para a outra como uma música. Os lábios molhados sabiam onde beijar e roçar. As mãos sabiam quando arranhar a pele de uma forma completamente inexplicável. As suas mentes iam-se esvaziando de tudo enquanto o orgasmo se ia aproximando com as suas bocas a abrirem-se à procura de ar.
Todos os segundos seguintes passaram-se demasiado depressa.
Os dois corpos acordam ao mesmo tempo. Os olhares delas encontram-se para se desenvolverem num sorriso. A que amava sabia que estes eram os momentos mais importantes entre elas. Os momentos em que falavam.
- Bom dia – disse a outra a levantar-se – não puseste despertador…
(Poem #597) He wishes for the cloths of heaven
Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly, because you tread on my dreams.
-- William Butler Yeats
poema que me inspirou e que me continua a inspirar
Texto por.: Daniel lopes
Imagem 1 por.: Le Sommeil, ou 'o sono' de Gustave Courbet (1866).
Imagem 2 por.: Safo, por Charles-August Mengin (1877)
BTW.: A palavra lésbica vem do latim lesbius e originalmente referia-se somente aos habitantes da ilha de Lesbos, na Grécia. A ilha foi um importante centro cultural onde viveu a poetisa Safo, entre os séculos VI e VII a.C., muito admirada por seus poemas sobre amor e beleza, em sua maioria dirigidos às mulheres. Por esta razão, o relacionamento sexual entre mulheres passou a ser conhecido como lesbianismo ou safismo.
Safo foi uma poetisa grega que viveu na cidade lésbia de Mitilene, ativo centro cultural no sécul VII a.C.. Nascida algures entre 630 e 612 a.C., foi muito respeitada e apreciada durante a Antigüidade, sendo considerada "a décima musa". No entanto, sua poesia, devido ao conteúdo erótico, sofreu censura na Idade Média por parte dos monges copistas, e o que restou de sua obra foram escassos fragmentos.
Safo concedeu uma escola para moças, onde ensinava poesia, dança e música - considerada a primeira "escola de aperfeiçoamento" da História. Ali as discípulas eram chamadas de hetairai (amigas) e não alunas... E a mestra apaixona-se por suas amigas, mas, de todas... dentre elas, aquela que viria a tornar-se sua maior amante, Atis - a favorita, que descrevia sua mestra como vestida em ouro e púrpura, coroada de flores. Mas Atis apaixona-se por um rapaz mais tarde.
Como podem reparar o titulo deste texto esta de algum modo estranho. Isso acontece por causa de um novo projecto que começa hoje. O Projecto vai correr da seguinte forma.:23 temas, 23 Historias, 23 semanas.Durante 23 semanas, Miguel Gonçalves aka Angelus e Daniel Lopes aka GodsHand irão escrever 23 historias únicas sobre 23 temas diferentes sendo o desta semana sobre Amor e Violencia. Podem encontrar a Historia do Miguel para este tema no Link do blogue Sob o Feitiço da Lua
3 comentários:
Magnífico!!
Gosto da forma como vais agarrando o leitor ao longo do texto, o facto de te dirigires a nós leitores torna a coisa muito pessoal e envolvente e a história está muito bem escrita.
FÃ NÚMERO UM 4 EVER!!
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...E as imagens estão perfeitas, muito bem escolhidas. :D
Incrivel Irmão.
Os teus textos são altamente.
Continua assim
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