segunda-feira, 19 de julho de 2010

Projecto 23 - Semana IV









Grita. Gritos. Maresia. Silêncio. No céu a luz engole o azul-escuro de diamantes. Dor.



Um amor de cabelo vermelho e um amor de cabelo negro como a noite. Estas são, as minhas luas. Acordo deitado no meio de um campo de rosas brancas que me sussurram, que se chamam o mar da vitalidade. Ao levantar-me os espinhos das rosas não me cortam nem me arranham, apenas se afastam suavemente. Balançam e dançam ao sabor do vento sem ele haver. Olho para o meu corpo, para as minhas mãos e para os meus pés descalços e não os conheço. Todo o meu ser sofreu do tempo e a velhice chegou até mim e ela não foi simpática nem benevolente. Com as mãos tento sentir o meu rosto mas a ele também não o reconheço. Alguém se aproxima ao longe, caminha vindo das sombras para lá das rosas. Ao aproximar-se as sombras vão-se dissipando para dar lugar a uma torre que cresce com cada passo que ele dá. Vestido de negro, ele vem. Ao chegar ao pé de mim reparo que no lugar da sua cara existe um espelho. No espelho não vejo o meu reflexo mas sim o que a minha vida podia e não podia ter sido. Ele nada diz e eu nada pergunto. A sua mão vestida com uma luva branca suja de terra passa pela minha face e o espelho começa a quebrar. Ao quebrar o seu corpo também se começa a desaparecer. No fim fica no ar apenas pequenos pedaços de vidros minúsculos.



Fecho os olhos e vejo-te a ti, com vontade de partir todos os espelhos da tua vida. Sentes a tua raiva a libertar-se e com ela a levar toda a tua dor que escondes debaixo da nossa árvore. Uma árvore não conta segredos.



Segredo meu.



Ao abrir novamente os olhos prendo o meu olhar na torre. Começo a caminhar na sua direcção e, como esperado, as rosas vão-se afastando. Pai, mãe, será que vos irei encontrar novamente? Por favor mãe estende os teus dedos e livra-me desta dor, pois ela matou-me e eu já não tenho alma para vender.



Rosas dão lugar às árvores e elas crescem e ganham caras. Cada uma delas olha para mim e chama pelo meu verdadeiro nome. Uma árvore tudo sabe e nada diz. O lugar vai ficando mais apertado e abafado. Os ramos tapam o céu mas a torre não se esconde de mim. Eu sei que caminho seguir e ela sabe que eu me aproximo. Não, não caminho num sonho, mas sim, é o sonho que caminha sobre mim. Ao tocar numa das árvores ela começa abruptamente a queimar-se. Chamas voam por todos os lados até não restar nada e todas as outras gritam assassino, apontando na minha direcção. Só consigo olhar para as suas reacções. Eu nada fiz. Eu não lhe fiz mal, apenas tentei senti-la. Senti-a por breves momentos mas ela incendiou-se e agora todas gritam. Gritam até eu começar a sentir sangue a sair dos ouvidos. Gritam e gritam até começarem todas a pegar fogo uma de cada vez. O fogo começa a rodear-me, este maldito fogo que me começa a queimar a carne, e mais uma vez voltamos ao mesmo.



Dor para dar lugar a mais dor. Este é, e sempre será o meu fim.



Ao cair em terra consigo ver parado no ar um anjo com vestes vermelhas rodeado por corvos. Ela olha para mim. O seu cabelo é frio como o dia de ontem, onde pedaços de gelo se formam nele. Um sorriso, consigo ver nos seus olhos. Um leve movimento com as mãos e as chamas afastam-se de mim, ganindo. Ela pousa ao meu lado e um corvo por sua vez pousa no seu ombro. Agacha-se e passa a mão pelo meu corpo queimado. A pele sara, mas, o interior não. O corvo fala comigo e diz-me aquilo que eu preciso de ouvir. Diz-me que eu não preciso de chegar à torre, mas eu ignoro as suas palavras. O Anjo ajuda-me a pôr-me de pé e eu agradeço-lhe do fundo do coração. Ela olha para mim surpreendida e eu tento ir buscar o meu agradecimento ao coração. Com as mãos afasto as minhas costelas para descobrir que o meu coração já não está lá, apenas encontro uma chave que pende de um fio no lugar dele. Ela sorri novamente, mas, desta vez com os lábios. Pega na chave e abraça-a. Lágrimas descem pela sua face abaixo. Ela chora por sete dias e doze noites e eu no mar á beira da torre entro por entre as suas lágrimas. O meu corpo nu agradece a água e a limpeza.



Ao chegar à superfície subo para cima de um dos meus sonhos já há muito perdido. Ele e muito outros, dos quais já não me lembrava, estão espalhados pelo mar fazendo um caminho até á torre. No céu sinto o mesmo corvo implorando-me para que não vá para lá.



Para que não entre na torre.



Eu nada ouço e tudo ignoro pois este é o meu último caminho e nele jaz a minha esperança antes de acordar ou morrer. Ao chegar á torre ela é igual a todas outras. Feita de pedra sobre pedra. Fria, cinzenta e velha, mas, algo dentro dela chama por mim. Sabe o meu nome como as árvores sabiam. Chama por mim. Exige que eu entre.
Ao abrir as portas de madeira velha da torre entro, não numa torre mas sim, num grande salão. Ele brilha com as suas colunas de ouro e pedra suave como seda. Ao longe um trono de folhas se encontra. Um velho com uma coroa de bronze senta-se nele. Com a sua mão branca e fraca faz sinal para eu me aproximar. Ao chegar mais perto reparo nas suas rugas carregadas, no seu cabelo comprido que se mistura com a barba. Os seus olhos são cegos mas ele sabe que eu estou ali. Ele sabe que eu me aproximo e acima de tudo ele sente-me, tal como eu o sinto, pois ele sou eu.



Ele sorri para mim e um veado morre aos seus pés. Caio de joelhos e o meu mundo sente-me. O velho grita sem som ao pegar na espada encostada ao seu trono e bate com ela no chão partindo-a em bocados. Ao olhar para ele só consigo dizer:




- Não morrerei neste sonho que construíste para mim.












Texto por.: Daniel Lopes

Imagem por.: Desconhecido

Imagem 2 por.: Desconhecido





Peço desculpa por o texto desta semana ter chegado tarde, mas a vontade andava a fluir em doses pequenas. Aqui fica o texto da Semana IV onde o tema é: Sonhos.
Como sempre podem ir verificar o texto do Angelus no seu blogue. Recomendo vivamente.

Se estas ai, se existes e segues estes texto, fica aqui desde já o meu sincero Obrigado.

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