segunda-feira, 24 de novembro de 2008

OST e mais Noticias

E cá estamos nós.

Com o final do capítulo II ainda há dias e o capítulo III já na cabeça, chego a um ponto onde tenho que acalmar e pensar bem no que quero fazer com esta historia e no que desejo para ela.

Se só a tornar num conto, perdida num blogue que muita pouca gente visita e lê, ou dar asas a ela e a mim.

Mas enquanto me encontro aqui nesta encruzilhada, deixo-vos com uma banda sonora
construída por mim, para aqueles que não sabem o que ouvir enquanto lêem a historia do Cássio.



Em cima 1 - Six Organs of admittance - Shelter from the Ash

2 - Isis - Holy Tears

3- Red Sparowes - We Stood Transfixed in Blank Devotion As Our Leader Spoke to Us, Looking Down on Our Mute Faces With a Great, Raging, and Unseeing Eye

4- Neurosis - The Tide

5- Battle of Mice - The Lamb and The Labrador

6- Nine Inch Nails - Everyday is Exactly The Same

7- Danny Elfman - Little Things

8- Isis - In Fiction

9- Red Sparowes - A Brief Moment of Clarity Broke Through the Deafening Hum, But it Was Too Late

10 - Dead Can Dance - Indus


Todos estas músicas podem ser vistas e ouvidas no nosso belo amigo youtube :)

É com agrado que também transmito esta notícia.

Estou a trabalhar numa animação para um festival de Lisboa, o Indie Lisboa. Aqui vos deixo uma imagem da animação. Espero que gostem.



Agradeço desde já aos incríveis Fatagagas, por já se encontrarem a trabalhar na banda sonora para este meu pequeno (mas trabalhoso) projecto.



Até uma próxima.

Daniel Lopes

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Final do Capitulo II

Fico no quarto ainda por momentos, sentado a pensar e a sentir o cheiro do incenso. Penso no passado da humanidade repleta de guerras, traições, dores e mortes. Assim se formaram novos impérios, novas civilizações e assim também elas caíram.

Religiões, magia, milagres, espíritos, monstros e preces. Este mundo agora místico ou sobrenatural em que tentamos viver parece estar cada vez mais próximo de nós. E há muito que eles nos disseram que já não somos bem vindos neste novo mundo.
O meu estado de sonho apenas me trouxe mais questões.
Mais dúvidas.
Uma parte de mim quer saber respostas do porquê desta tentativa de extinção da humanidade e de onde vêm os seres. Outra quer levar o resto dos sobreviventes a um porto seguro, se é que ele existe, mas, outra parte dentro de mim apenas quer deixar este mundo. Morrer e ter o meu descanso.
Tento levantar-me visto que aquela falsa Virgínia já não se encontra aqui. Já não sinto um peso sobre mim a forçar-me a estar sentado. Será que com quem estive a falar era o mesmo ser, o espectro que me pôs a mão no ombro e me sussurrou ao ouvido momentos antes de eu apanhar o tiro no peito. Será ela imaginação minha ou mesmo verdadeira. Já não sei distinguir nada nos tempos em que vivo.

Levanto-me.

Saio do quarto e caminho pelos corredores do refúgio.
Vejo as pessoas a rir, a festejar e a dançar como se nada tivesse acontecido. As suas roupas são diferentes. Estão limpas e repletas de imensos detalhes cravados em várias cores. Os cabelos das mulheres estão vivos, sem terra ou pó neles, tal como os seus olhos e as suas peles. Andam de mão dada e trocam carinhos com os seus amados.
As paredes e os corredores estão repletas de velas e incenso. Um vento morno viaja pelos corredores ao mesmo tempo que passam por mim duas crianças que brincam e gritam atrás de uma bola colorida. Ainda penso em dizer para elas fazerem menos barulho, pois é perigoso, que o barulho alto pode comprometer a nossa posição, o nosso esconderijo, mas rio-me logo de seguida com a minha estupidez.
Isto não passa de um sonho!
Nem uma visão acredito que seja, e isto não é o meu lado pessimista a falar. Apenas sei que estou a morrer, a perder sangue. Estou aqui, mas ainda sinto a bala alojada dentro de mim. Toco no peito e sei que eles ainda não a tiraram e que provavelmente nem a vão conseguir tirar.
Todas as pessoas por quem eu passo enquanto passeio pelos corredores cumprimentam-me e acenam-me, sempre bem dispostas e calorosas, como se nada tivesse acontecido. Sabe bem este momento, mas por outro lado também me assusta.
Passo pela área do lago, onde mulheres se banham nas águas frias com os seus peitos nus, ao mesmo tempo que lavam a roupa e limpam os alimentos. Falam umas com as outras do tempo lá fora. De homens e amores que não deram em nada. Do tecto, um cesto enorme desce por cordas cheio de alimentos frescos. Dois homens acenam-me da fenda da cave, agora limpa de raízes, enquanto seguram nas cordas do cesto. Dentro do cesto um gato pequeno e gordo lambe o pelo e cheira a comida. Uma das mulheres ao ver o gato pega nele e leva-o ate terra seca. O gato abana o rabo enquanto mia, fugindo logo de seguida.
Já não via um animal desde o dia dos ataques.

Volto aos corredores e reparo que as palavras de Virgínia já não existem pintadas nas paredes. Este sonho está a ser demasiado perfeito.
Imagino-os a tentar reanimar-me e a fazer de tudo para tirar a bala dentro do meu peito. Não quero que eles sofram com a minha morte, mas também não quero voltar. Não quero mais dor, mais guerras ou mais sangue.
Caminho em direcção ao meu quarto e por entre a cortina que serve de porta vejo duas silhuetas. Uma mulher e uma criança. Afasto a cortina e fico a olhar enquanto alegria me enche a alma.

São elas.

A minha bela mulher com os seus lábios perfeitos e a minha perfeita filha com os seus belos olhos, que brincam uma com a outra a tentar escolher brincos dentro de uma caixa velha de madeira. Os brincos brilham tal como os seus risos. Elas vestem o mesmo tipo de vestidos que as mulheres daqui. Perfeitos, coloridos, compridos e simples.
Sinto uma dor no peito que me faz tossir.
A minha esposa olha para mim e levanta a mão para eu me aproximar.
Chama por mim.
Eu caminho, mas a dor no meu peito aperta. Não quero parar. Dou um passo e tento agarrar a sua mão. A minha filha senta-se na cama e diz o meu nome. Para eu me deitar na cama e ajudar a mãe a escolher uns brincos bonitos para a festa de logo à noite.
Não sei que festa é, mas quero ficar para descobrir. Não as quero deixar...
Perco as forças nas pernas e caio de joelhos. Tento-me arrastar.
Tudo roda.
O meu peito aperta ao ponto de explodir. Grito com a dor.
Eles encontraram a bala.


Volto à realidade a gritar.

Olho e vejo Jorge com dois pedaços de ferro dentro da minha ferida a tentar retirar a bala enquanto murmura para eu me aguentar. Sofia e Miguel juntamente com os dois guardas que ajudaram a carregar-me, seguram-me no corpo. Eu abano-me e grito com a dor. Sinto as lágrimas de Sofia a caírem-me nos olhos, que passam a ser minhas.
Os ferros ardem dentro de mim e eu olho para Jorge. Olho e rogo para que ele me deixe ir. Para que ele me deixe ir ter com a minha mulher e filha, mas, ele cerra os olhos e puxa os dois ferros e de dentro de mim eu vejo um pequeno pedaço de ferro dobrado a sair.
O aperto no peito desaparece para dar lugar a uma nova dor e a minha garganta se encher com sangue. Todos pegam no meu corpo e inclinam-me para eu não me sufocar com ele. Eu tusso e cuspo, enquanto Jorge tapa a ferida e faz pressão nela.
Deitam-me novamente e fico a olhar para as cabeças à minha volta, que chamam pelo meu nome, que dizem para eu não desistir ou adormecer.
Vejo Virgínia no meio delas e, como se seria de esperar, ela sorri. Peço para ela me levar de volta. Para ela me levar deste mundo, mas ela apenas faz sinal com o dedo nos lábios para eu não fazer barulho.
Olho para Jorge e ele molha um pano em água fresca para limpar a ferida e por novos panos limpos sobre ela. Com as minhas últimas forças agarro o seu braço e fito-o. Por detrás dele vejo novamente aqueles pós brilhantes a flutuar, que vão formando símbolos e círculos onde do meio deles Teresa aparece tal como desapareceu. Com as suas asas negras e o corpo envolvido num pano branco que flutua à volta dela sem lhe tocar, servindo apenas para esconder as suas partes íntimas ela voa na minha direcção. Levanta o braço e com a mão segura uma espada em chamas apontando-a na minha direcção.


“Morre e vive novamente, mortal!” - Grita como se gritasse com todas as vozes do universo.


Sinto a espada a cravar-me na carne e tudo arde. Os meus olhos. A minha boca e as minhas mãos. Olho para a ferida e caio para trás. Viver novamente?! Não quero...
Só quero estar com elas... Viver onde elas estiverem. Procuro pelo anjo com o corpo de Teresa.


“Não te atrevas a trazer-me de volta... Não te atrevas!” - penso eu na sua direcção.


Cerro os punhos e tiro prazer no meu último suspiro.
Sofia bate freneticamente no meu peito e chama por mim, mas sem resposta.
Sinto-me a ir...
Jorge aproxima a sua mão fechando-me os olhos.
Tudo fica escuro.
Morro.






"Nunca mais voltar
È o que torna a vida tão doce."

Emily Dickinson
Poema número 1741






Texto por.: Daniel Lopes

Imagem por.: Hoon



Vemo-nos no capitulo III ;)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Capitulo II - Pag I e II



De que surgirão heresias novas, temos a profecia de Cristo; mas de que antigas serão destruídas, não temos nenhuma predição.


Thomas BrowneReligio Medici, I, 8 (1642)



Olhai e recordai. Olhai para este céu;

Olhai profunda, profundamente para o limpo ar marinho,

O ilimitado, o término da prece.

Falai agora e falai para a sagrada abóbada.

Que ouvis? Que responde o céu?

Os céus estão ocupados; esta não é a vossa casa.


Karl Jay Shapiro - Travelogue for Exiles.




Capitulo II

Feridas na Babilónia.


Custa-me respirar.

Vejo o chão e sinto a terra a entrar-me pelas narinas. O cheiro a terra, o sabor dela na minha boca, na minha língua que me torna a boca seca. Com esforço foco o meu olhar já enublado em Sofia e no Jorge que chamam pelo meu nome. Parecem estar a gritar, mas não consigo perceber.

Tento fechar os olhos. Só quero adormecer. Só quero partir e deixar esta merda de mundo para trás, mas, eles não me deixam. Chamam por mim e levantam-me o que me faz olhar para o meu próprio sangue.

Jorge e dois guardas que conseguiram sobreviver pegam em mim. Jorge nas pernas e os guardas no meu tronco e braços. Gemo com a dor, mas deixo-me ir. Com a cabeça caída para trás vejo aos solavancos Sofia com as mãos agarradas ao seu caderno e o desespero agarrado na sua face.

Ela diz-me que tudo vai correr bem e a minha cabeça cai e os meus olhos reviram.

Não consigo ver onde está Miguel.

O meu sangue vai marcando o caminho com as suas gotas. Passamos por cima do corpo de Virgínia e até ela fica marcada. A minha faca espetada no seu peito.

Reparo na sua face. Ela sorri e os seus olhos continuam totalmente abertos. Aquele olho vermelho fita-me e eu desmaio por momentos.


Vejo a minha mulher e a minha filha a acariciar-me a cara. O cabelo e a barba. Dizem que me amam e eu não consigo responder. Elas abraçam-me e eu sinto-as quentes como uma tarde de Verão no meu corpo. Quero ir ter com elas. Quero flutuar e voar como elas, voam ao meu lado. Tão belas. Tão perfeitas.

Como eu sinto a vossa falta.


Acordo.

Um dos guardas olha para mim e pega melhor no meu tronco. Estamos já a entrar na casa. Ouço o arrastar da mesa e descemos em direcção aos túneis. Tusso e sangue invade-me a garganta. Jorge grita e inclina-me. Cuspo o sangue para o chão.

Ouço-o a rogar-me ao ouvido para eu me aguentar. Para não desistir, mas, desistir é que eu desejo meu bom amigo.

Desmaio novamente.


Vejo Virgínia no seu quarto com as suas vestes. O quarto repleto de velas e incenso pousados nas prateleiras de madeira montadas nas paredes de pedra. Ela sorri para mim e diz-me para eu entrar e sentar-me. Já não tem a mutação na cara e parece-me mais nova. Sento-me em cima de uma almofada no chão e ela oferece-me uma chávena de chá. Aceito sem saber porquê. Ao olhar para o meu reflexo na água do chá reparo que não tenho a pala e o meu olho está bom.

Infelizmente isto não passa de um sonho.


“Será mesmo apenas um sonho isto Cássio?” - Pergunta-me Virgínia como se estivesse a ler o meu pensamento enquanto acende mais uma vela.


“Nem comigo a morrer me deixas em paz velha?!” - Respondo eu a sorrir e a passar a mão pela minha face a sentir o meu olho bom. Não sinto raiva nem vontade de a esganar. Isto não passa de um sonho, por isso mais vale aproveitar enquanto consigo. - “Sabes Virgínia, preferia estar a sonhar com a minha filha e a minha mulher do que contigo.”


“Sim, compreendo. Mas, os sonhos, a morte e a vida nunca o são como queremos e desejamos. Por isso, acho que ainda vais ter que passar mais uns momentos aqui comigo.” - Ela pega num livro e folheia-o. Vai murmurando palavras e olhando para mim.


Dou um gole no chá e ele sabe mesmo a verdadeiro. O incenso cheira mesmo a incenso e a almofada pôs-me mesmo confortável. O quarto está quente. Olho para ela, e parece que já não consigo ver nenhuma ruga na sua pele. Dos seus lábios começa a sair um cântico e vindo do nada sons de instrumentos aparecem. Violinos e pianos que se misturam com a sua voz.

Sinto-me a cair.

Estou a morrer...


“Estás a morrer Cássio, mas isso não quer dizer que o teu tempo já acabou.” - Diz-me ela enquanto a música não pára. Como se tivesse sido sempre outra pessoa a cantar neste tempo todo. - “Não sabia mas já o tens dentro de ti...”


“Tenho o quê dentro de mim?” - Pergunto pousando a chávena de chá. Olho para as minhas mãos e noto que delas saem pequenos pedaços de pó brilhantes que fluem e viajam sem motivo aparente. Sigo-os e eles iluminam o quarto criando símbolos em forma de círculos no ar. O símbolo da vida eterna.


Ela pensa na minha pergunta e parece meditar sobre ela - “Isso não te posso responder. Como deves compreender eles não me deixam...” - Fixando os olhos em mim e sorrindo. Tão inocente o seu sorriso que me faz acreditar nele.


“Eles quem Virgínia?” - Ela vira a cara com a minha pergunta e volta a pousar o livro. A música vai-se afastando. Passa as mãos pelas pernas e levanta-se.

“Pára de me chamar Virgínia. Não gosto do nome, e ela já cá não está Cássio.” - Caminhando em direcção á saída do quarto. Ela afasta uma das cortinas que serve de porta ao quarto e eu tento levantar-me para a seguir, mas não consigo. Fico a olhar para ela enquanto ela sai arrastando pelo chão as suas vestes brancas.


“Quem és tu?” - Pergunto mesmo antes de ela sair.


“Não te quero assustar Cássio.” - Responde-me ela parando e olhando fixamente para mim.



Desenho por.: Daniel Lopes tirado do Caderno de Sofia representando Cássio ferido.

Texto por.: Daniel Lopes.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Fim do Cápitulo I


Saio da campa e olho atentamente, de cima a baixo, para Virgínia. Já suspeitava que ela aparecesse mas desejava para que não. Ao lado dela surgem agora quatro homens, seus seguidores e da sua “palavra”. Os homens carregam facas, menos um que carrega uma pistola, que por “sorte” a aponta na minha direcção.


“Que queres Virgínia? Estamos a enterrar uma criança. Até isto, tu, vens perturbar?” - tento eu dizer num tom de voz autoritário mas baixo para não criar ainda mais barulho.

“Eu sei bem que é um enterro. Ela também era minha filha. Mas hoje, Cássio, hoje é o dia em que morrerás!”


Ao ouvir estas palavras, os guardas apontam todos as armas a Virgínia, mas, nem ela nem os seus homens mostram qualquer sinal de receio, como se tivessem vindo numa missão suicida. Algo dentro de mim me diz que isto não está bem. Algo não bate certo.


“Estás velha e senil, mulher!” - Diz-lhe Jorge, não perdendo da mira da sua pistola a nuca dela. “Volta de onde vieste e dá-te por contente por ainda te deixarmos viver entre nós.”


Ao ouvir isto ela começa a rir num som estridente.


“Cala-te Virgínia! Com o barulho todo que estás a fazer ainda os vais atrair” - Grita-lhe entre sussurros Sofia.


Ela olha para Sofia, e faz sinal para que os seus homens fiquem à vontade, mas eles ignoram a ordem e não saem do lugar nem perdem o movimento, como se sustivessem o respirar à espera de atacar. Parecem hienas apenas desejando pelo momento certo, ou por um tremer de gatilho para nos saltarem em cima.


“Minha querida...” - diz Virgínia dirigindo-se a Sofia com um sorriso. “eles já cá estão. Eu sou eles!” - com um movimento de braço, ela levanta o véu do lado esquerdo mostrando uma mutação na sua face, com a vista vermelha, onde o preto pinta o resto do olho.


Não sabemos o que fazer ou como reagir. Do seu olho, saem veias azuis e vermelhas que se interligam por manchas verdes até chegarem ao seu sorriso, deixando as outras descer até ao pescoço. Os guardas com o medo começam a tremer. Miguel dá um passo na direcção dela como se quisesse observar melhor a mutação, mas rapidamente perde essa vontade pois ela levanta a mão como forma de fazer parar a sua curiosidade.


“Como vês Cássio, eu já sou um deles. Fui-me transformando desde o dia em que cheguei ao teu belo refúgio, quase morta pelas feridas. Oh... como tu tens orgulho no teu pequeno mundo! Este olho deu-me poderes, com ele consigo ver o passado e o futuro sempre que desejo e de quem desejo, mas, acima de tudo faz-me viver no meio deles. Posso sair ao meio da noite e não ser atacada. Eles cheiram-me. Rodeiam-me mas não me fazem mal. Apenas me amam...”


Não aguento mais. Esta velha pensa que uma doença qualquer que a está a atacar é uma marca deles. Uma oferenda. Isto tem que acabar e acaba hoje! Ela é um mal para o refúgio desde o primeiro dia.


“Então vai viver no meio deles Virgínia e deixa-nos em paz! Estás senil e não fazes ideia do quanto as tuas acções estão a prejudicar-nos. Isto tem que acabar mulher!” - digo entre os meus dentes semicerrados de raiva.


Ela olha para mim e a sua cabeça inclina ligeiramente para a esquerda, não perdendo o seu olhar em mim - “Eu consigo ver quem tu és Cássio. O que aconteceu com a tua família. Como ela morreu. Mas, acima de tudo, eu consigo ver no que te vais tornar. A era do Homem acabou, e nada podes fazer contra isso...”


“De que falas velha? Achas mesmo que alguém acredita em ti, nas tuas mentiras e que consegues viver e caminhar no meio dos seres?!” – Com a raiva a apoderar-se de mim estou a perder esta discussão, ao mesmo tempo que imagens da minha família me assaltam a mente. Raios...será que ela consegue ver mesmo...o que aconteceu com eles...


“Eles acreditam...” - apontando para os homens ao seu lado. - “e tu também irás acreditar! Hoje é o dia!”


Sinto o vento frio a passar no meu corpo.

Vento sem cheiro a cinzas?!

Ouço um barulho seguido de um grito, e ao olhar para trás de mim vejo o corpo morto de Teresa a mexer-se. Primeiro as mãos, seguido dos braços e a cabeça, que se levantam. Os seus olhos abrem-se, e sua mãe cai no chão de joelhos. Tudo fica silencioso e em câmara lenta, como se de um filme se tratasse. Sofia grita, deixando cair o seu caderno de desenhos no chão. Jorge é o primeiro a disparar a arma em direcção ao corpo da criança que agora já se põe de pé em cima da mesa, mas, a bala não faz nada. Passa por ela como se de um fantasma, de um espectro se tratasse. Olho para Virgína apenas para a encontrar a sorrir para mim. Aquele sorriso. Aquele sorriso maldito!

Não aguento mais.

Pego na faca que tenho no cinto e tiro-a. Todos os segundos que passam parecem uma eternidade. Vejo tudo à minha volta. Dois dos homens de Virgínia já se encontram em cima dos guardas com as lâminas espetadas nos pescoços deles, enquanto os outros não sabem o que fazer, ou com demasiado medo para fazer algo. Miguel não consegue parar de olhar para o que era Teresa, que agora se levanta na mesa, abrindo os braços e levantando a cabeça para o céu. Enquanto fecha lentamente os seus olhos mortos o manto vai caindo, mostrando o seu corpo morto, nu e branco.

Com um rápido balancear da mão viro a faca no ar, agarrando-a pela lâmina. Cerro os olhos e não perco a minha atenção em Virgínia.

Ela vê-me mas não se mexe.

Sente-me mas nada faz.

Atiro a faca na sua direcção e ela voa brilhando com os finos raios de luz que conseguem ultrapassar as nuvens e as árvores da floresta, reluzindo na lâmina.

Virgínia não perde o seu sorriso irritante e maldoso.

Jorge continua a disparar para Teresa, mas sem sucesso. O corpo da criança levanta-se da mesa como se estivesse suspensa, como se algo a estivesse a puxar para cima, apesar do esforço que a mãe faz para a trazer para baixo, entre gritos, lágrimas e puxões.

A sua cabeça descai com os olhos fechados para a sua mãe, quando de repente se abrem, apenas para mostrar uns olhos azuis e vazios que já não lhe pertencem.

A mãe larga-a repentinamente com o susto e por não saber que ser é aquele que agora habita no corpo da sua filha. Tudo isto enquanto a minha faca ruma na direcção de Virgínia. Jorge continua a disparar até ficar sem balas. Deita a arma fora e corre em direcção a um dos guardas, ajudando-o a matar um dos homens com uma paulada na cabeça. Até sangue demora a sair, nestes segundos que parecem horas. Sofia apenas olha. Miguel viaja com Teresa enquanto ela olha para a sua mãe, e a sua mãe olha para o que foi outrora sua filha.

Virgínia dá um passo em frente e espera pela faca. Teresa dobra as costas na direcção da sua mãe. O olho vermelho e preto de Virgínia fita-me. Teresa toca na testa da mãe e das suas costas saem penas pretas. A velha dá outro passo e a ponta da lâmina toca nas suas vestes. Se os deuses olhassem agora para nós veriam-nos no meio disto tudo, onde só árvores, terra, pedra, sangue e suor nos rodeia. Asas negras explodem das costas de Teresa entre sangue e pedaços de pele sem nunca perder o toque na sua mãe. Enquanto a faca trespassa o corpo da velha, uma segunda Virgínia aparece do meu lado, como se de uma quiméra se tratasse.

As asas da criança esvoaçam no ar. A mão da segunda Virgínia pousa no meu ombro. O seu olhar é sincero e puro, como se se tratasse de outro ser totalmente diferente.

O cabelo da mãe de Teresa vai-se tornando branco cal com o toque da filha e as suas asas largam penas negras que se evaporam no ar.

A velha suspira no meu ouvido - “Sente o verdadeiro significado da palavra desespero Cássio e alegra-te nela, pois esta Era é nossa. Este é o ciclo da vida.” - A faca entra totalmente no corpo de Virgínia fazendo-o voar para trás, ao mesmo tempo que também cai seca e morta a mãe de Teresa. A sua filha desaparece do mesmo modo que as penas, apenas deixando para trás o manto que cobria o seu corpo. Os homens que ainda vivem, fogem por entre a floresta enquanto Jorge tenta ajudar os guardas feridos com a ajuda de Sofia. O corpo de Virgínia cai sem vida na terra e o seu espelho que me suspirou ao ouvido desaparece.

Não ouço nada. Apenas a floresta à minha volta. Miguel olha para mim, com a face branca e eu reparo na lama nas suas botas. Ainda me lembro quando as minhas preocupações era tentar não sujar a toalha dela ao pequeno almoço enquanto mexia o leite com café.

Sofia corre na minha direcção enquanto grita por Jorge, por ajuda e me agarra pela roupa, passando a sua mão pelo meu cabelo comprido, olhando-me nos olhos com os seus em água. As suas mãos tocam-me no peito e pousam novamente na minha face.

Sinto-as húmidas.

Baixo a cabeça e olho para o meu peito, onde uma mancha de sangue se alastra pela roupa.

Que horas serão?





E assim é. O final do primeiro capitulo. Espero que quem acompanhou a historia até agora não tenha em nenhum momento ficado desiludida. Agradeço todos os comentarios que recebi. Poucos mas bons : ) Também, em todo o caso dificil publicitar um blogue.

Agradeço do fundo do coração à Sofia, por toda a ajuda que me deu e todo empenho que tem demonstrado nesta historia comigo. Adoro-te.


Inicio do próximo capitulo muito em breve :)



Texto por.: Daniel Lopes

Imagem por.: Desconhecido. Mas o texto que a acompanhava era este (At first glance this ghost picture looks like nothing more than a simple double exposure. That is, however, until you find out that the woman standing in front of the man had been dead for years at the point in which the photograph was taken. She was the man's dead wife but yet she showed up in the ghost picture.)