sábado, 30 de agosto de 2008

Capitulo I, Pág V e VI

Durmo e não durmo, pois a minha mente não consegue parar os sonhos. Sonhos que usam pele de pesadelos que atacam a minha dor. Vejo a minha esposa. A minha filha. Escondidas debaixo da mesa de cozinha olhando assustadas para uma nuvem de fumo verde que se formava deixando sair dela um ser de pedra e mosaicos com boca e olhos. Fitando-nos. Olhos em chamas azuis e boca sem fundo gritava e abanava a casa. Corro na sua direcção com o taco. Os gritos a furar-me a mente. O piano a tocar. Ouço o bater do meu coração nos meus próprios ouvidos. O ser abria os braços a gritar e os azulejos saíam das paredes flutuando à sua volta. Sangue a escorrer na minha testa. Sinto-o como se fosse hoje. Orquídeas brancas a balançar. 
O olhar da criatura. 

Acordo!

Com o corpo em suores frios e o respirar forte, mais uma noite onde os seus rostos me perseguem. Já me começo a habituar ao final destes anos todos. Deitado na cama ainda com a roupa de ontem, olho em redor e tudo vai deixando de ser nublado, começando a ganhar forma. As velas ainda ardem. Passo a mão pela cara e sinto as lágrimas na minha face. Olho para o tecto por momentos e sento-me na beira da cama. Pego num livro no topo de outros tantos e folhei-o, mas sem pensar no que estou a ler. Vamos resgatando o máximo que conseguimos lá de fora. Durante uma semana, assaltos à biblioteca foram a nossa prioridade porque o Miguel, um dos membros do concelho, acredita que podemos aprender e procurar nos livros respostas para a nossa sobrevivência e futuro. Tenho que concordar com ele e agradecer por essa ideia, porque foi com os livros que aprendemos a fazer explosivos e a metê-los em vários pontos da casa que serve de fachada ao nosso asilo, em caso deles nos descobrirem e atacarem um dia. Vamos só esperar que esse dia nunca chegue.

Lavo a cara na bacia de água limpa e olho-me ao espelho. Já estou nos meus trinta e quatro anos, feitos hoje. Com a ponta dos dedos passo por cima do olho que perdi durante uma das escavações, tapando-o de seguida com a pala. Molho em água fresca a barba comprida e o cabelo também ele comprido e já grisalho. Se elas tivessem vivas e se me vissem agora não me iriam reconhecer. Nunca na vida. Sorrio só de pensar nisso. 

Visto um casaco de cabedal castanho escuro, já gasto, e calço-me. Afasto a cortina do meu quarto e saio. Os cânticos voltam e ao caminhar pelos corredores e pela área do concelho reparo na quantidade enorme de velas que se espalharam em apenas algumas horas. Vejo um grupo de mulheres e homens em vestes de monges que caminham lentamente em fila indiana. Não pertencem ao grupo senil de Vírgina. Não pertencem a ninguém. Apenas são pessoas que se oferecem para ajudar em tempos de luto. Olho para eles e baixo a cabeça em forma de cumprimento, seguindo-os sem perturbar o seu caminho. Entramos por uma das aberturas que dá para o lago e vejo a quantidade de pessoas que estão a entoar os cânticos pela alma de Teresa. 
Só os trabalhadores vitais e alguns guardas é que não estão presentes. 

Deixo os monges irem á frente em direcção ao meio do lago. Envolto em panos de linho branco, o corpo nú de Teresa encontra-se pousado em cima de uma espécie de jangada feita de madeira. Tão calma e bela com o seu cabelo arranjado e tratado. Ao seu lado está a mãe que segura na jangada. No corpo da criança bate um raio de luz que entra pela fenda que existe no topo do tecto da caverna. Aquele é o ponto mais fraco do nosso asilo, mas essencial para a nossa sobrevivência incluindo a renovação do oxigénio, saber em que parte do dia estamos ou apenas podermos olhar para algo feita de luz natural, sem ser estas paredes frias e mal iluminadas. Mesmo tapada por raízes de árvores, que descem e caem pela fenda, é possível com a junção de algum azar os seres encontrarem-na. Apesar da presença dos guardas durante a noite, não nos é dada a segurança que eu desejaria. Junto-me ao resto do concelho que se encontra no ponto mais alto da área, cumprimentando-os silenciosamente. Não me junto aos cânticos mas eles estão aqui.
Os monges entram na água, como se ignorassem a água nas suas vestes e aproximando-se do corpo, rodeando-o. Pegam em jarros de barro e com a água do lago vão molhando o corpo lentamente, banhando-o, enquanto a mãe de Teresa pega em cristais trabalhados retirados das paredes desta mesma caverna e os vai pousando no corpo da sua filha. 
Um dos monges abre os braços como pedido de silêncio e sem retirar o capuz da cabeça fala.


Ó Deus. Ó Deuses. Ó tu que nos abandonas-te e castigaste ouve-me. - diz ele com a voz baixa e rouca mas suficiente para todos ouvirem – Ouve-me pois concedei-nos alguma alegria. Vos suplicamos, não nos leveis mais filhos pois perder mais um é como perder toda a vida que criaste. Perdoai os nossos pecados e Acorda do teu trono para nos acariciar a alma. - Finaliza ele voltando a baixar a cabeça e dando tempo para os cânticos retomarem.

Os monges largam os jarros na água deixando-os ir ao fundo e com a ajuda da mãe pegam no corpo da rapariga. Começam a caminhar para fora do lago e dirigem-se para as escadas que só são usadas em dias como este. Os seus degraus foram trabalhados durante anos por um grupo de pessoas que tinham sido historiadores ou professores de história onde neles esculpiram e pintaram a história da Humanidade até ao dia dos ataques. Estas escadas juntas à parede da cave vão dar à área de cima, com ligação ao corredor mais perto da saída da gruta. Nesta fase, eu e os membros do concelho juntámo-nos aos monges. A partir daqui só estão autorizados a ir ao exterior o concelho, os monges, os familiares mais próximos do defunto e cinco guardas com armas de fogo.
Ao juntar-me ao grupo questiono-me onde estará o pai da rapariga e mais importante ainda, porque é que ainda não vi Virgínia.

Continua...

Texto por.: Daniel Lopes

Página V e VI do cáp I. 


Final da pagina IV


Deixo para trás este infeliz acontecimento que só me faz cada vez mais desistir de tudo. Só não desisto de tudo e enfio uma bala na cabeça porque a caminhar até ao meu quarto passo por dezenas de pessoas e familias inteiras que dependem de mim e do conselho que criámos. Olho nos olhos de uma criança e vejo neles a sua vontade de sair desta gruta para caminhar e brincar ao ar livre novamente. Mas em vez disso tudo se vai apenas tornando numa memória envolta em recordações de morte e lágrimas. O casal que o rodeia serão mesmo os seus pais verdadeiros ou apenas um casal que o adoptou?

É em momentos de desespero, de dor, que o Homem mostra o seu melhor ou pior lado. Raspo a minha mão na parede da caverna e por momentos esqueço o que acabou de acontecer. Esqueço a família que perdi e agradeço a alguém pela sorte que tivemos em encontrar, entre os que sobreviveram, alguém com experiência  em construção e alicerces. Foi o que nos permitiu manter esta gruta de pé. No terceiro ano de construções onde muitos de nós morriam de sede e doença enquanto não conseguiamos parar de escavar por algum motivo fora do nosso entender, encontrámos um rio subterrâneo que criou ali um lago de água pura e cristalina. No passado, antes dos ataques, já tinha visitado as grutas e lagos de Alvados no antigo conselho de Porto de Mós, que são por si só magnificos, mas não se consegue comparar à imensidão e beleza destas.  

Foi uma das imagens mais bonitas que já vi em toda a minha vida. Quando entrámos, a luz das lâmparinas e das tochas brilhava e reflectia na água límpida. Os homens caíam ao chão com as mãos nos rostos a chorar. O barulho da corrente dançava nos nossos ouvidos. Todas as cores verdes, castanhas e amarelas enchiam-nos o olhar e a alma naquele momento, único e eterno, gravado nas nossas mentes.

Esse dia, foi sem dúvida um marco, e nesse mesmo instante nasceu o concelho e a decisão de construir um asilo com a sua ordem e paz á volta deste local belo e perfeito.  Comigo somos oito no total, mas como já pensei várias vezes, vejo Vírginia como uma praga e uma ameaça ao que resta da nossa humanidade. 

Ao chegar ao meu quarto atiro-me para cima do sofá. Descalço as botas e suspiro. Pego num copo meio sujo e numa garrafa de malte que guardo para aqueles dias menos bons e encho-o até meio. Ao beber vou fechando os olhos e tudo passa diante deles como se fossem flashes. A terra fértil que trouxemos lá de fora para tentarmos cultivar vegetais, os animais de gado que conseguimos resgatar nos montes e o sacrifício que fizemos em não os matar e os comer naquele mesmo momento. Como esperámos, como tratámos deles para se reproduzirem até se tornarem numa boa fonte de alimento. 

Acabo de beber e pouso o copo no chão. Levanto-me para cair automáticamente na cama. Fecho os olhos e ao longe muito suavemente ouço cânticos em forma de oração pela alma da Teresa. Sinto os passos suaves daqueles que ainda caminham e que acendem velas por ela. Tudo se vai desvanecendo até adormecer.

Amanhã temos o funeral da criança e com ele vem a Vírginia. 

Continua...

Texto por.: Daniel Lopes

Final da Página IV.

Imagem por.: George Wasses de as Minas de Alvados

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Capitulo I, pág. III e IV


Tudo fica parado. Quieto.
Os trabalhadores olham à procura de onde tinha vindo o grito de dor.
Sinto um apertar no peito e, de repente, outro grito seguido de barulhos e mais gritos. Corro pelo meio da área dos trabalhadores e desço por um corredor circular feito de degráus de pedra que vai dar à secção do andar de baixo.
Um casal vestido em trapos apontam-me por onde seguir.
Não consigo decifrar as vozes, nem o quero. Só quero chegar à origem do grito o mais rápido possivel.
Este barulho vai atraí-los até nós!

Vejo um aglomerado de pessoas junto de duas mulheres e um homem na zona dos aposentos. Mal me aproximo, as pessoas afastam-se. Reparo no homem de barbas brancas e feições fortes a segurar na mão de uma miúda, que nao deve ter mais do que quinze anos. Ela está de pernas abertas e morde um pedaço de madeira, ao mesmo tempo que da sua boca conseguem fugir gritos. A dor deve ser demasiada para que a consiga suportar, por isso tento não pensar que esta desordem toda pode eventualmente atrai-los.
Eles que venham!
A outra mulher, idosa, com uma cicatriz ainda recente na face segura-lhe nas pernas e tenta-lhe transmitir reconforto e força através de palavras calmas e sinceras. Olho para ela e ela para mim e, nos seus olhos vejo o medo e a ansiedade. Ajoelho-me ao pé da criança e passo a minha mão suavemente pela sua testa. Tem a pele suada e amarela.
Vai morrer.

Como te chamas querida? - Pergunto eu afagando os seus cabelos.
Te... Teresa, senhor... - Responde ela com os olhos muito abertos e soluços na voz enquanto as suas mãos agrarravam com mais força a manta grossa debaixo do seu corpo.
O homem começa a chorar no momento que os olhos dela vão revirando e o sangue não pára de jorrar do seu sexo. Este é já o quinto aborto que acontece só neste mês, mas felizmente as outras mulheres tiveram mais sorte, conseguindo manter-se vivas. Desde que cá estamos ainda não houve um único parto em que a criança tivesse sobrevivido.
A velha deixa de lhe segurar nas pernas ao mesmo tempo que Teresa lança um grito agudo, seguido por um último suspiro.
Ela morre.
Todas as pessoas baixam a cabeça. O homem chora no seu peito. A idosa levanta-se e afasta-se indo lavar as mãos numa bacia com água, ali ao pé. Pouso a mão no ombro do homem.

Era sua filha? - Pergunto.
Era sim...a minha bébé. O meu amor! - Palavras que lhe saem por entre lágrimas.
O pai da criança onde está? Eu aviso-o da perda. - Não sabendo mais o que dizer ou fazer.
Sou eu... - Responde o homem. - Sou eu. Era eu o pai da criança... - Levantando a cabeça e olhando nos meus olhos com a cara encharcada de lágrimas. - Eu amava-a...

Olho directamente para ele. Sussurros e frases de reprovação começam a subir de tom nas vozes dos sobreviventes que nos rodeiam. Vejo a imagem da minha filha. Vejo a sua morte.
Sem pensar agarro o homem pelos cabelos e esmurro-o violentamente na boca com o punho cerrado. Sinto os dentes dele a ficarem cravados nos nós dos meus dedos. Não digo mais nada. Não consigo. Afasto-me enquanto o ouço gritar e chorar o quanto a amava e ainda a ama. As minhas mãos não conseguem parar de tremer. A multidão abre caminho para eu passar e vejo a velha parada encostada á parede. Não temos médicos, nem quem o tivesse sido antes dos ataques, o que faz com que nós tenhamos que nos contentar com estas beatas. Medicamentos não existem e um assalto ao que resta do antigo hospital está fora de questão. Da última vez que um grupo tentou entrar lá foi completamente chacinado. Desde esse dia fomos observando o edifício e aprendendo que os seres têm inteligência suficiente ao ponto de não sairem de lá, de dia ou de noite, porque sentem que estamos vivos. Mesmo não sabendo a nossa localização, vão-nos retirando os bens de primeira necessidade, para nos irem matando aos poucos.
Observo a velha ainda a esfregar as mãos a tentar tirar o sangue que já lá não existe.

Arranja o corpo por favor. Amanhã faremos o funeral. - Digo eu á beata.
Claro que trato dela...ela era minha filha.


Continua...



Texto por.: Daniel Lopes

Agradecimentos aos meus amigos que têm vindo aqui comentar, ou apenas a dar-se ao trabalho de ler, mas, em especial um grande beijinho e um obrigado à Sofia por me corrigir os erros e apoiar-me como se não houvesse amanhã.

Que isto seja um degrau que dê a uma escada para o nobel da literatura. : P

E em "Soundtrack" recomenda-se vivamente Red Sparowes para quem ler estas palavras.

: )

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Capitulo I, pag II e III

Lá fora tudo se encontra desfeito, queimado e destruído. Os corpos que haviam espalhados pelas ruas há muito que desapareceram. Comidos e arrastados por eles.
As casas, o Palácio da Pena, a beleza da terra e tudo que outrora foi Sintra transformou-se em cinzas e pó em segundos.
Por mais sol que esteja durante o dia, agora, o que eu vejo não é mais do que um cenário cinzento e escuro.

A noite aproxima-se.

Deixo para trás a janela e o inferno que a paisagem me dá e caminho até ao andar de baixo. Afasto uma mesa no meio dos destroços e levanto o alçapão. Este pedaço de metal é tudo o que nos separa deles.
Entro até meio do corpo, para conseguir pôr a mesa de volta no mesmo sitio. Desço as escadas de pedra e entro na cave da casa. Esta parte não foi sequer tocada pelos seres. Foi aqui que nos mantivemos durante quase um ano. Nessa mesma altura, começámos a construir o asilo, enquanto iam chegando mais sobreviventes. Lutávamos contra os seres que captavam o nosso cheiro ou apenas o barulho. Já não tenho conta de quantos matámos, nem de quantos perdemos, mas, sei que começámos a recear tudo à nossa volta. Até uma pedra se podia tornar num ser em forma de criança com asas negras e foices na mão.
Não era a primeira vez que tal acontecia, e com isso, muitos perderam a vida.

Com o punho da faca que tenho no meu cinto dou duas pancadas na porta de metal embutida na parede que dá para o asilo e automaticamente ouço do outro lado sussuros de vozes seguido por um carregar das armas.
Os guardas são novos. Só chegaram há cerca de duas semanas. Depois do que eles devem ter vivido e visto lá fora, nao me supreende minimamente o nervosismo que eles emanam.
Antes que as coisas evoluam digo o meu nome.

Silêncio.

A porta abre-se.
Entro sem cumprimentar os guardas. Eles também não o fazem. Creio que nos habituámos facilmente ao silêncio, talvez mais pelo medo de os atrair até nós. Afinal de contas, muitos de nós começaram novas familias aqui dentro, e, com familias vem o dever de as proteger acima de tudo. Melhor do que eu protegi a minha.
O asilo começa por um corredor estreito todo revestido em cimento, onde lâmpadas penduradas no tecto dão uma luz fraca mas suficiente. Nas paredes, frases e textos escritos a vermelho anunciam o fim do mundo. Aquele, que acredito já ter chegado.

Depois dos ataques ninguém aqui falava em religião, Deus ou salvação, porque uma coisa era certa, todos nós sentiamos isto como o julgamento final.
Deus fechou os olhos e adormeceu no seu trono, deixando-nos à mercê da morte, e a morte jubilou sobre o nosso sangue. Agora dança, matando e apanhando quem ainda luta pela sua existência. Isto é, se existe mais alguém para além de nós.
Agora, depois da chegada de Virginia, tudo mudou.
Virginia é uma mulher de cabelos negros, magra, cujos ataques a tornaram cega. Uma luz brilhante cuspida da terra assaltou-a, disse ela. Conseguiu chegar cá trazida por dois batedores do nosso grupo que a encontraram estendida, nua e ferida, no meio do Convento dos Capuchos.
Desde que chegou, começou a sofrer de pesadelos onde acordava a gritar. Depois dos pesadelos começaram os murmúrios e as escritas na parede.
Visões, grita ela.
As pessoas começaram a ouvi-la e o fanatismo começou a instalar-se. Primeiro criaram um altar, depois vieram as missas cada vez mais frequentes, até que se começou a instalar o boato de que um simples toque da mão dela, pode criar ou curar doenças.
Ela agora vive num quarto privado na última secção da cave, envolta em panos e velas. Todos os dias recebe cada vez mais crentes e mais oferendas.
O poder dela sobe, e o meu e o do conselho diminui.

O corredor vai dar à primeira área aberta do asilo. É aqui que instalámos a primeira barreira da nossa defesa, onde trabalhamos e fazemos armas ou apenas utensílios para o dia a dia. O calor aqui com as fornalhas é inacreditavel, mas admito que a proporção que este asilo tomou em apenas oito anos é de admirar.
Perco-me a olhar para todos estes homens que trabalham sem parar como se a próxima faca ou tacho que criam, fosse a resposta à salvação que procuram.

Ouve-se um grito.



Texto por.: Daniel Lopes

Continuaçao do Primeiro Cápitulo, apresentando as páginas 2 e 3.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Cap I, pagina I

Capitulo I
(página um)

Olho pela janela e relembro o dia em que o ser meio cão, meio bode, entrou de rompante pelo nosso esconderijo matando seis dos oito que éramos. De como ele corria sobre as paredes e tectos da casa. A facilidade que tinha em atirar ao chão e arrancar os membros das suas vitimas.
A sorte que tivemos dos gritos daqueles que morriam não atrairem mais deles. De como um rapaz esguio, na altura de nome Jorge, pegou num ferro caído no chão e o espetou no meio dos olhos do "cão". A primeira vez que vi o sangue deles a jorrar dos seus corpos.
Todas estas memorias me assaltam em ondas, desde esse dia.
Já se passaram oito anos.
Neste tempo, do nosso lado, fomos encontrando mais sobreviventes, criámos um asilo subterrâneo e a melhor defesa que soubemos. Armas de fogo são poucas, por isso machados, facas, espadas e tudo que faça eles sofrerem é o melhor que temos.
Mas o mais importante, aprendemos a observá-los, a evitar e a lutar contra eles.

O meu nome é Cássio Aquiles Lopes e este é o ano 2016.

Tenho informações de que os seres conquistaram e mataram toda vida na Europa e Ásia. Os Estados Unidos foram atacados mas conseguiram defender-se durante dois anos, até que foram atacados por Cuba. A não prever este ataque, os Estados Unidos caíram e Cuba tornou-se na nova potência mundial. Mas, nos dias em que correm, creio que isso não significa muito.
Em 2009 Cuba lançou três bombas núcleares contra os seres na América do Norte, mas não adiantou nada. Morreram centenas ou mesmo milhares deles, mas os mesmos apareceram num espaço de dias.
Ainda nao sabemos donde eles vêm, nem o porquê.
A última noticia que ouvimos na rádio foi há três anos atrás. Desde aí alguns de nós acreditam ser os únicos sobreviventes da raça humana.

Introdução


Lisboa esta em chamas.

Eles vieram durante o nascer da noite. Seres que nunca antes tinha visto em filmes, lido em livros ou sonhado nos meus piores pesadelos.
Sairam das árvores. Do mar. Do chão. Bocas enormes em chamas puxadas por crianças em cinzas e olhos vermelhos que se riem enquanto matam, pilham e tudo queimam. Dos céus surgiram luzes verdes rodeadas por seres voadores envoltos por gritos de choro, queimando, em segundos, casas, prédios e tudo que estivesse pelo caminho. Entre corpos e cinzas consegui fugir de carro até Sintra e para trás deixei em lágrimas amigos, familia e a minha filha que perdi para este dias de jugalmento final. Fechei na minha mente as suas mortes que assisti para tentar viver para mais um dia.

Sintra, eventualmente foi atacada com a mesma violencia que Lisboa. Não sei como sobrevivemos, mas, o que importa é que agora nesta casa meia desfeita tudo observamos sem saber que próximo passo dar. Somos oito, um rádio e vários enlatados. Não falamos uns com os outros e nao sussurramos com medo que eles se sintam atraídos pelas nossas vozes. Apenas nos damos ao luxo de passear com o olhar uns pelos outros. O rádio, só o ligamos no minimo durante o dia que é quando eles parecem estar mais distantes, ou apenas mais escondidos. Lisboa foi só o inicio pelo que consegui ouvir no radio. Já conseguiram avançar até a fronteira de Espanha e França. Nenhum pais estrangeiro nos ajuda, porque estão demasiados preocupados com as suas defesas, e os Estados Unidos, Brazil e México apenas não ajudam com medo que eles fiquem a saber o caminho pelo mar até ao seu continente. O que eles não sabem é que eles apareceram de todos os lados e não irá ser um Oceano que os irá parar.

Creio que mesmo em tempos finais a arrogância é demasiado bela para ser posta de lado.

Este é do décimo terceiro dia desde o "ataque" e a meio da noite observo pela janela um ser com corpo de bode e cabeça de lobo cheirando e aproximando-se do nosso esconderijo. Da sua boca caem correntes que arrastam caveiras meias raxadas.

Cheira, arranha, até que pára a olhar para a casa. As correntes da sua boca tremem.

É agora... O inicio dos meus últimos dias.




Continua.





Escrito por.: Daniel Lopes

Apenas uma ideia que me apareceu na cabeça, provavelmente devido a todas as imagens que me teem chovido na mente nestes ultimos dias.


No proximo texto. Cuba como nova potencia mundial, e sangue. lol ^^
P.s.: Aceitam-se propostas de titulos por favor. : P


Imagem por.: Gustave Doré de 1865