
O calor humano é algo apaixonante. Principalmente quando vem de pessoas completamente desconhecidas. O cheiro a álcool, doce nos seus hálitos, onde as palavras dançam ao ritmo da música que sai das colunas do bar atrai-me em maneiras desconhecidas. Já tinha saudades em sair de casa e de ver pessoas. Ao princípio senti-me algo à parte e mal vestido, mas ganhei coragem no momento em que me apanhei com um copo na mão. É algo que posso fazer para passar despercebido. Beber e observar, fazendo de conta que espero por alguém.
Os corpos mexem-se e movem-se. Tocam-se sem se aperceberem e vão transferindo calor para criar ainda mais calor uns para os outros. Isto tudo devido ao poder da música.
Fecho os olhos e vejo a minha vida a passar diante dos meus olhos como um filme antigo onde os amarelos queimam a fita. Onde eu nasci, onde eu brinquei em pequeno nos jardins da casa. Como riscava o papel de parede em cores fortes de vermelhos e azuis. Os meus pais amando-me, odiando-me para voltarem a amar-me ainda com mais força. O mar, a minha liberdade, as folhas brancas que eu desenhava e escrevia sem parar. Como é que é possível ter envelhecido e crescido tão rápido. Ao olhar para trás, não me dei conta pelo tempo a passar, mas, o que mais me entristece é que podia ter aproveitado os meus dias cem vezes mais. Perdi tanto tempo em jogos, em pensamentos, a ouvir opiniões e a pensar nas possibilidades que acabei por me perder vezes sem conta.
Hoje, quem sou eu? Não o sei. Não me conheço. Acordo todos os dias e olho-me nu ao espelho para não reconhecer de quem é aquele reflexo. Desejo por tatuagens no corpo que me digam o que fazer, que me digam quem ser, porque eu não sei mais quem quero ser.
Ouço a banda sonora que toca na minha mente e sei que ela irá tocar a sua última música caso eu não faça algo para mudar tudo, mas, eu não sei o que mudar. Eu simplesmente não sei o que deixar para trás. Do que abdicar. Só desejava correr como o forest gump sem destino traçado, sem planos e acima de tudo sem nenhum objectivo. Correr por apenas gostar. Ver os dias a nascer e a morrer para nascerem outra vez. Ver as montanhas pintadas com gelo e os campos verdes virgens deste mundo. Correr e correr… até me encontrar… sem nenhum plano. Sem nada delineado. Existe pensamento mais sincero do que este?
O meu corpo sai do bar e entra no meu local de trabalho. Sento-me sempre na mesma cadeira. Quando ela aparece estragada por algum motivo, vou buscar outra igual. Sempre cinzenta e preta. A luz amarela que vem do tecto queima-me os olhos e todos os dias faz-me morrer mais um bocado por dentro. O ar condicionado... Incrível ao pensar que perco tempo a falar nas pausas ou em casa de como ele funciona mal. Todos os telefones e computadores à nossa volta… abelhas a morrer… mais um e-mail com uma resposta negativa… apetece-me gritar. Gritar e gritar… demasiado tempo no computador… demasiado tempo em coisas inúteis… poupar… poupar para o futuro… medo do futuro… olhos vermelhos… sangue nos olhos… mais poupar… perder-me… o bater das asas de uma borboleta pode mudar o mundo… dedos no teclado … esta luz amarela cega-me.
Esta vida criada para mim não é a minha. Não sou eu. Não sei quem eu sou. Fui eu que a criei? Não a quero mais. Nunca a quis. Bato com a minha cabeça vezes sem conta numa folha de papel branco e no desenho que o meu sangue faz não sei o seu significado.
Quem sou eu hoje? Quem serei eu amanha? Se souberes diz-me… se não… deixa-me apenas… descobrir.
Texto por.: Daniel Lopes
Imagem por.: Melody of Leeloo "Dance with the wind"
"Para o homem, apenas há três acontecimentos: nascer, viver e morrer. Ele não sente o nascer, sofre ao morrer e esquece-se de viver"
Jean de la Bruyère