terça-feira, 28 de abril de 2009

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Capitulo 3 – Jardins da Babilónia parte 2


Só o silêncio é grande;

tudo o mais é fraqueza.


Alfred de Vingny

La Mort du Loup (1864)



O silêncio consegue avassalar-me, engolir-me e eu entrego-me de bom grado a ele. Tudo se encontra negro à minha volta. Não caio. Apenas flutuo e o meu corpo vai rodando. Nunca pensei que fosse assim. Morri para ir para junto delas.

Tento gritar, mas sem sucesso.

Vivi e assisti ao fim do mundo, mas como tal, não o resisti para sempre. Dei o meu melhor e agora desejo o meu descanso. Quero ir para junto delas.

Uma luz acende-se ao fundo. Consigo vê-la.

Tento falar para dizer que estou aqui. Para que me venha buscar. Só desejo para que seja a minha mulher. Os seus lábios. As suas mãos. Que saudades eu tenho dela!

A luz vai-se aproximando e ficando cada vez mais brilhante. Noto que alguém a carrega. No ponto em que se dirige a mim, reparo numa mão pálida que carrega uma lamparina. Cerro os olhos para a luz não me ofuscar quando pára à frente da minha cara. Um homem, dentro de um manto negro, com detalhes em ouro carrega a lamparina. Não lhe consigo ver a cara, mas ouço-o a assobiar palavras como se as tivesse a arrastar.


Vim parar ao inferno não vim? - Tento eu perguntar, mas mais uma vez sem sucesso. Não consigo falar. Não me sai uma única palavra.


Vós aqui não faleis mortal. - Diz ele numa voz rouca que ecoa pelo negro - aqui nós ouvimos tudo o que vós penseis mas, direito a cuspir palavras mortais porcas ainda não tens direito.


Com a mão livre pega na minha face e vira-a para todos os lados. Volta a assobiar uma série de palavras que não consigo identificar nem perceber. O seu manto parece pesar-lhe, mas também não consigo perceber onde é que ele acaba. Ele mistura-se com o negro que me rodeia.


Segue-me. - No momento em que me vira as costas, volta a fundir-se todo com o preto deixando só a luz e a mão a descoberto para me mostrar o que devo seguir.


Tento caminhar e consigo. Sinto novamente o peso do meu corpo e sinto algo sólido debaixo dos meus pés, apesar de não conseguir ver onde é que estou a caminhar. Sigo a luz e vou reparando nas minhas roupas. São as mesmas e estão no mesmo estado. O sangue da ferida está aqui na mesma, mas ao levantar a roupa não vejo ferida nenhuma. Uma coisa é certa, eu morri, mas onde vim parar ainda não o sei.

Volto a olhar para a luz e para a mão que a segura e, passado um bom bocado de tempo, novas luzes vão aparecendo e iluminando um caminho que acaba junto a uma porta, onde pequenos pedaços de luz amarela saem debaixo dela. Os assobios parecem vir de todos os lado agora. Sempre que passo por uma nova luz, o mesmo assobio. Como se fosse sempre a mesma mão e a mesma voz em todas as lamparinas. Ao chegar à porta, reparo nos pequenas inscrições de metal que ela tem. Desenhos aleatórios de jardins e seres que nunca ouvi falar, nem nunca tinha visto.

A porta abre-se e eu sou puxado para dentro. Caio no chão directamente de joelhos mas não me magoo. Não sinto qualquer tipo de dor.

Olho em meu redor e não estava preparado para aquele cenário.

Uma sala enorme, com chão de mármore negra, repleta de colunas com inscrições feitas em ouro. Nas paredes, cortinas enormes vermelhas caem do tecto até ao chão, tapando por completo as paredes e grande parte do chão. Velas flutuam no ar iluminando por completo a sala. No tecto, pinturas de seres que se assemelham a anjos, bestas de corpo de humano com cabeça de bode e guerreiros repletos de armaduras negras que carregam espadas enormes e bandeiras rasgadas, mexem-se e olham para mim. Sussurram entre eles e comentam apontando para mim.

Ao olhar para o outro lado da sala reparo numa porta enorme feita de pedra erguendo-se majestosamente na sala. Na pedra está esculpida uma face com barba e cabelos compridos e os seus olhos estão fechados.

Fico tempos e tempos a olhar para aquela sala. Caminho sobre ela e a sua beleza sufoca-me. Perco tanto tempo nela que nem reparo no silêncio que se instalou na sala. Em como os sussuros e os assobios pararam.

Até que ouço a porta a mexer-se, a abrir lentamente devido ao seu enorme peso e, do negro ouço passos que duram uma eternidade até que finalmente aparece uma mulher, seguida por dois daqueles guerreiros com armadura negra do tecto. Reparo agora que as suas armaduras estão repletas de símbolos e desenhos. Um deles carrega um machado enorme e o outro um livro gigante envolto em correntes e uma espada enorme no ombro. Eles são enormes, atingindo facilmente os dois metros e meio de altura. O brilho dos seus olhos dentro do capacete negro é amarelo e penetrante.

Ao olhar para a mulher reparo na sua beleza com os seus longos cabelos negros e olhos também eles amarelos. Está vestida com um manto vermelho igual ao das cortinas, o que me faz olhar para elas. Elas agora mexem-se, como se pressentissem a presença dela.

Ela sorri para mim, parada, enquanto a porta se fecha novamente. Dá dois passos na minha direcção e eu não me consigo mexer.


Cássio, sê bem vindo! - diz ela com a voz doce e melosa. Os mantos no seu corpo esvoaçam sem haver vento na sala. - Sê bem vindo ao meio. Sê bem vindo ao jardim.


Continua...

Texto por.: Daniel Lopes

Imagem.: Chaos - Warhammer